November 30, 2021

Neste dia morreu Pessoa

 


Alberto Caeiro

LAST POEM

LAST POEM

(ditado pelo poeta no dia da sua morte)

É talvez o último dia da minha vida.

Saudei o sol, levantando a mão direita,

Mas não o saudei, para lhe dizer adeus.

Fiz sinal de gostar de o ver ainda, mais nada.


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Alberto Caeiro

Vai alta no céu a lua da Primavera

Vai alta no céu a lua da Primavera

Penso em ti e dentro de mim estou completo.

Corre pelos vagos campos até mim uma brisa ligeira.

Penso em ti, murmuro o teu nome; e não sou eu: sou feliz.

Amanhã virás, andarás comigo a colher flores pelo campo,

E eu andarei contigo pelos campos ver-te colher flores.

Eu já te vejo amanhã a colher flores comigo pelos campos,

Pois quando vieres amanhã e andares comigo no campo a colher flores,

Isso será uma alegria e uma verdade para mim.


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Alberto Caeiro

A guerra que aflige com os seus esquadrões o Mundo,

A guerra, que aflige com os seus esquadrões o Mundo,

É o tipo perfeito do erro da filosofia.

A guerra, como tudo humano, quer alterar.

Mas a guerra, mais do que tudo, quer alterar e alterar muito

E alterar depressa.

Mas a guerra inflige a morte.

E a morte é o desprezo do Universo por nós.

Tendo por consequência a morte, a guerra prova que é falsa.

Sendo falsa, prova que é falso todo o querer-alterar.

Deixemos o universo exterior e os outros homens onde a Natureza os pôs.

Tudo é orgulho e inconsciência.

Tudo é querer mexer-se, fazer coisas, deixar rasto.

Para o coração e o comandante dos esquadrões

Regressa aos bocados o universo exterior.

A química directa da Natureza

Não deixa lugar vago para o pensamento.

A humanidade é uma revolta de escravos.

A humanidade é um governo usurpado pelo povo.

Existe porque usurpou, mas erra porque usurpar é não ter direito.

Deixai existir o mundo exterior e a humanidade natural!

Paz a todas as coisas pré-humanas, mesmo no homem,

Paz à essência inteiramente exterior do Universo!

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Alberto Caeiro

A noite desce, o calor soçobra um pouco.

A noite desce, o calor soçobra um pouco.

Estou lúcido como se nunca tivesse pensado

E tivesse raiz, ligação directa com a terra

Não esta espécie de ligação do sentido secundário chamado a vista,

A vista por onde me separo das coisas,

E m'aproximo das estrelas e de coisas distantes —

Erro: porque o distante não é o próximo,

E aproximá-lo é enganar-se.

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Alberto Caeiro

Aceita o universo

Aceita o universo

Como to deram os deuses.

Se os deuses te quisessem dar outro

Ter-to-iam dado.

Se há outras matérias e outros mundos 

Haja.

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fonte: http://arquivopessoa.net


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