November 13, 2021

Entreter e instruir são coisas diferentes e poucas vezes coincidentes

 



"I am not sure if the darker aspects of humanity are instructive to us. And if the education of our kids is not our number one priority, then we don’t go forward in a positive way." 

"If you get cynical too young, if you lose faith in educators and people in uniform and stuff like that, it’s not great because what’s the next thing that happens? They disappear inside their computers because that’s the only thing that gives them the surety and complexity they want out of life. When your computer games are more intrinsically exciting than a history lesson, you are in a fucking bad place."

   — Russel Crowe

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Um jogo de computador será sempre, para a maioria dos adolescentes, mais excitante que uma aula de História, mas o essencial está em que uma aula de História não tem que ser excitante. Tem que ser instrutiva. E geralmente aquilo que é excitante para a maioria das crianças e adolescentes (apenas uma pequena minoria se excita com ideias) é superficial e não é instrutivo. Um jogo de computador é excitante porque não tem que ser instrutivo, apenas entretenimento. Uma aula de História é sempre excitante para um certo tipo de alunos que são curiosos acerca do passado, de personagens, de acontecimentos e que são pessoas com imaginação de modo que qualquer personagem é uma história nas suas cabeças. É certo que uma aula de História não tem que ser entediante, mas nunca competirá com jogos de computador, cinema de efeitos especiais, explosões, magias, etc. Nem é essa a sua orientação ou objectivo. A reflexão implica um estado de recolhimento e não de excitação e embotamento dos sentidos.

O excesso de estímulo visual em idades precoces não é pedagógico. Inibe a imaginação e a reflexão. Aqui há uns sete ou oito anos tive uma turma onde dois alunos vinham dormir para as aulas, porque passavam as noites na internet ou na PSP. Pressionei-os e acabaram por dizer que iam para a Dark Web ver decapitações (era na altura do Daesh decapitar estrangeiros) e sabe-se lá que mais, porque não devem ter-me dito tudo. Depois de habituados a ver estas coisas como poderiam ficar sensibilizados e chocados com 'pequenas' coisas como bullying de colegas ou algo assim? E como poderia a sua imaginação suplantar essas imagens que viam? Não só as imagens de decapitações não são instrutivas -uma coisa é aprenderem acerca de grupos terroristas que decapitam pessoas e reflectirem sobre o assunto, outra é serem marcados por essas imagens de extrema violência- como os dessensibilizam enquanto humanos. Depois disto, que aula os poderá excitar, a si e à sua imaginação? E como podem 'apagar' as imagens da cabeça para dar lugar ao desenvolvimento da imaginação? E como pode a reflexão na complexidade da realidade substituir a força pregnante desse tipo de imagens na maioria dos adolescentes, tão virados, por natureza, para a acção e para a imagem e não para a reflexão e pensamento que implicam interioridade e aquietação? As imagens são sintéticas e não desenvolvem a arquitectura conceptual, sem a qual não há pensamento crítico. Nisso, nessa crítica à imagem, Platão tinha muita razão.

E ainda nem sequer estamos diante da Realidade Aumentada, porque quando essa tecnologia for vulgar, o pensamento e a reflexão serão um reduto daquelas pessoas que por temperamento e disposição inatas despertam com a vida intelectual muito mais que com imagens ruidosas e explosivas.

Amigos que já viram o filme, Dune, dizem-me que o filme é muito redutor e simplista. As intrigas das casas políticas que no livro estão cheias de diálogos e relações intrincadas e ricas, não existem no filme. E não existem porque os miúdos e jovem adultos actuais não vão ver filmes se não forem de tiros e explosões, como acontecia há 100 anos quando as pessoas eram analfabetas e os filmes se reduziam a cowboys aos murros e aos tiros.

Quando vejo os manuais de Filosofia de há 30 anos (ainda tenho um ou outro) e comparo com os actuais, a grande diferença está em que os novos quase não têm textos dos filósofos (onde os antigos eram ricos de textos filosóficos variados) e os poucos que têm são excertos que não ultrapassam um terço de página e quase sempre do mesmo autor. Uma pobreza. Estão cheios de imagens infantis. Ora isto acontece porque o ensino está virado, tal como a vida, para o entretenimento, estimulação dos sentidos e superficialidade. "Ser-se humano é uma condição que cada vez mais exige anestesia"

Depois dizem que os miúdos chegam aos exames sem saber pensar. Pois, como havia de ser de outro modo? Saber pensar é uma arte que leva muito tempo a desenvolver, requer muitas leituras e não se consegue reduzindo o ensino a coisas giras, excitantes, superficiais e explosivas. 

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