October 09, 2021

" A world without criticism is just advertising" (Pauline Kael)

 


Pauline Kael, a maior crítica de cinema americana, que compreendeu que não se consegue amar se não se consegue odiar, disse que um mundo sem crítica é apenas publicidade. "Os filmes, muito mais do que as artes tradicionais, estão ligados a muito dinheiro", escreveu ela. 'Sem alguns críticos independentes, não há nada entre o público e os anunciantes'. O cinema americano estava em declínio quando Kael abdicou da sua caneta e desde então não tem parado de decair. Não imagino os executivos dos estúdios a chorarem quando ela se reformou.

Kael ficaria horrorizada com o espectáculo da escrita cinematográfica de hoje. Os jornalistas encontram-se com os actores e babam-se. O sábio editor desistiu de exigir perguntas difíceis e apenas convida os actores a entrevistar outros actores: foi desta maneira que um jornal escolheu exibir Daniel Craig esta semana. Um bocadinho menos repugnante do que um jornalista de joelhos e mais barato também, imagino eu. Também é engraçado.

Os críticos de restaurantes também não são irrepreensíveis; alguns pareciam "acentuar o positivo" durante a pandemia e eliminar o negativo. Aprendi há anos atrás a recusar pedidos para conhecer os PRs dos restaurantes. Os bons sabem que todo o marketing se baseia em relações pessoais e conhecê-los é querer agradar-lhes. Não se pode ter dois mestres. Eu tenho um e é você.

Infelizmente, nem todos aceitam isto. Em 2015, escrevi uma longa crítica de alguns restaurantes obscenos de Manhattan. Uma editora da Eater.com tweeted a sua resposta emocional. Ela estava demasiado zangada para que fosse uma resposta intelectual e agora sei porquê: um dos restaurantes sobre o qual escrevi foi o absurdo Per Se de Thomas Keller. (A crítica rápida é: não ponhas lá os pés).

Soube que ela tinha visitado Per Se e não gostara, mas não disse aos seus leitores porque, escreveu mais tarde: "Tive medo de o fazer". É muito arriscado avaliar um titã da cozinha americana e declarar publicamente que acha que o seu trabalho é insuficiente. Se acreditar na mitologia do chef-as-genius, chef-as-artiste, quando não gostar de um, perguntar-se-á "Será culpa minha?" 

Ter medo de um restaurante? Está louco? Uma mulher tão ansiosa socialmente devia pensar em retirar-se da crítica de restaurantes. Não! Ela está agora a escrever sobre comida no New Yorker - cujos leitores deveriam ir verificar as suas carteiras.

Também pode pensar que não importa se os críticos aplicam um pequeno truque; se são mais bondosos do que deveriam, ou mais preguiçosos, ou mais tímidos, ou mais ansiosos para serem amados. Mas se perdermos a fome de crítica na arte, perdemo-la em todo o lado; perderemos o que realmente importa.


Tanya Gold


(não é verdade que não se consegue amar se não se consegue odiar - eu percebo esta frase numa raíz heraclitiana da vida ser uma luta de contrários e não se poder conhecer um termo do par sem o outro, mas isto não é, necessariamente, verdade - podemos compreender o que é o ódio usando a imaginação e exagerando emoções de 'des-gosto' sem nunca sentir ódio, da mesma maneira que podemos compreender o ciúme, exagerando, com a imaginação, a noção de perda, sem nunca sentir o ciúme - ou a inveja ou a fome de poder, etc. Portanto, não é necessário sentir uma emoção ou sentimento para ser capaz de sentir o seu contrário, basta sentir a noção do exagero para aplicá-lo com a imaginação a qualquer emoção, mesmo sem a sentir - é verdade, no entanto, que não conhecemos alguém enquanto não conhecemos as duas partes: a parte que gostamos e a parte que 'des-gostamos' - o ódio parece-me um sentimento superficial e desinteligente)

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