October 05, 2021

Rothko - hoje o No. 61 'Rust and Blue', de 1953 é particularmente reconfortante

 


O que a Arte de Rothko nos ensina sobre o Sofrimento



O artista mais inesperadamente edificante e consolador do século XX foi o pintor abstracto Mark Rothko, o sumo sacerdote da dor e da perda, que passou a última parte da sua carreira a revelar uma sucessão de telas sublimes e sombrias que falavam, como ele disse, da "tragédia de ser humano" - e que, aos 66 anos de idade, em 1970, no seu estúdio em Nova Iorque, cometeu suicídio tomando excesso de barbitúricos e cortando os pulsos.



Nascido em Dvinsk, Rússia, Rothko emigrou para os Estados Unidos com a idade de dez anos e imediatamente desprezou a boa disposição e optimismo agressivos da sua nova terra. 
Apreensivo com o sentimentalismo à sua volta, aprendeu a fazer arte insular, implacável, sombria e orientada para a dor. Era, disse um crítico, o equivalente visual do último suspiro de um prisioneiro condenado. As cores preferidas de Rothko eram um grená queimado, o cinzento escuro, o negro e o vermelho sangue, ocasionalmente atenuado por uma lasca de amarelo.

No. 46 (Black, Ochre and Red over Red), 1957. Photo by Rocor from Flickr.


Em 1958, foi oferecida a Rothko uma grande quantia de dinheiro para pintar alguns murais para um restaurante opulento de Nova Iorque, o Four Seasons na Park Avenue, para a sua inauguração.
Era, como ele disse, "um lugar onde os bastardos mais ricos de Nova Iorque viriam para se alimentar e exibir". As suas intenções para os murais depressa se tornaram claras: 'espero arruinar o apetite de todos os filhos da mãe que alguma vez comeram naquela sala' e, com esse fim, pôs-se a trabalhar em alguns grandes campos de cores negras e castanhas, expressando um clima de terror e angústia arcaica. 

Era uma comissão improvável para Rothko aceitar, mas tornou-se ainda mais difícil de aceitar quando, após uma viagem a Itália (onde se comoveu muito com as telas da crucificação de Giotto), no Outono de 1959, levou a sua esposa Mell ao restaurante, para almoçar. O seu ódio tornou-se avassalador. Acreditando que era "criminoso gastar mais de 5 dólares numa refeição", não conseguia aceitar os pratos excessivamente caros, os molhos extravagantes e o pomposo pessoal do restaurante. 

'Quem quiser comer esse tipo de comida por esse tipo de preços nunca olhará para um quadro meu', prometeu ele. Ele odiava aquela clientela: bronzeados, pessoas ricas e alegres, saíam para celebrar e exibir-se, para fazer negócios e trocar mexericos, os aparentemente vencedores da vida, os que investiram em lições de ténis e branqueamento de dentes. 
O seu ódio por eles tinha as suas raízes no seu sentido de que só acedemos à nossa humanidade quando enfrentamos a dor e comungamos à nossa volta com compaixão e humildade. Qualquer outra coisa é grandiosidade e orgulho. Rothko tinha permanecido russo na sua alma.

Após o almoço, Rothko chamou os seus patronos, explicou os seus sentimentos e devolveu o dinheiro. Depois entregou os seus quadros à Tate Gallery de Londres, onde foram pendurados num espaço de contemplação arejado e silencioso, que encerrava o espectador numa atmosfera de mortificação meditativa. Os quadros continuam a ser companheiros ideais para os visitantes que entram na galeria à deriva, que podem estar a tentar ultrapassar a perda de um parceiro ou a ruína da sua carreira - e que precisam de saber que não estão sozinhos. A arte de Rothko não lhe salvou a vida a ele, mas terá impedido muitos outros de se suicidarem.

No. 61 (Rust and Blue), 1953. Photo by Rocor from Flickr.

As telas de Rothko - embora centradas na escuridão - nunca são deprimentes de se olhar porque emprestam dignidade e legitimidade às nossas dificuldades. 
Banhar-se na sua atmosfera é ganhar uma distinta sensação de conforto, como deitar-se nos braços de uma pessoa terna que apenas diz "eu sei" em resposta ao nosso desabafo de desânimo e perda. 
Com Rothko como nosso guia, importa um pouco menos que o mundo esteja na sua maioria cheio de ruidosos, impetuosos, aparentes vencedores, que ninguém se preocupe muito connosco, que tenhamos falhado em inúmeras áreas, que o nosso nome não esteja nas luzes, que tenhamos inimigos e que já não sejamos jovens. 
É-nos oferecido um refúgio das vozes impulsionadoras da sociedade contemporânea e somos capazes de localizar de forma externa obras que ecoam as nossas próprias tristezas confusas e incómodas. 

Grande parte da nossa miséria é causada pelo pressuposto cruel e erróneo de que a vida pode ser fundamentalmente uma viagem agradável, capaz de proporcionar satisfação e prazer àqueles que trabalham arduamente e retêm corações nobres e propositados. A verdade não poderia estar mais longe de uma visão tão sentimental. 
A agonia está impregnada na condição humana. Estamos a sofrer, não por coincidência, mas por necessidade. Podemos estar concentrados nos erros e crueldades particulares que nos levaram a um ponto depressivo, podemos estar estreitamente preocupados com o que os nossos inimigos nos fizeram, como alguns poucos erros nos custaram tudo ou como fomos abandonados por aqueles que deveriam ter cuidado de nós. 
Porém, não é para minimizar estes problemas que insistimos em que são meras manifestações locais do que na realidade são problemas mais globais e endémicos. São apenas os mecanismos específicos pelos quais viemos a saborear a tristeza que - fosse qual fosse o nosso destino - teria sido sempre a nossa sorte pois que é o fardo terrível inerente ao nascimento de todo o ser humano. Em última análise, todos devemos beber a mesma quantidade de líquido envenenado da taça da tristeza, mesmo que em goles diferentes e em momentos diferentes. Ninguém consegue passar incólume.

Yellow and Orange, 1949. Photo by Rocor from Flickr.


No entanto, não só estamos tristes, como estamos isolados e solitários na nossa tristeza, já que a narrativa oficial é imensamente optimista e insiste em que podemos encontrar o parceiro certo, que o trabalho pode proporcionar satisfação, que os destinos são justos e que não há razão inerente para lamentarmos o nosso estado. 
Contudo, não merecemos - para além de tudo o resto - ser obrigados a sorrir. Deveríamos ser autorizados a chorar sem que nos chateassem com discursos de positividade. O nosso verdadeiro direito negligenciado não é, afinal, o direito à felicidade; é o direito de sermos infelizes. 
Isto pode parecer longe de ser uma razão para viver - mas a capacidade de olhar a escuridão de frente e aceitar o seu papel nos nossos assuntos funciona como a sua própria recompensa muito particular e intensa. 
Não devemos continuar a ser surpreendidos pelo nosso sofrimento. Não devemos continuar a ser tomados de surpresa pela miséria. Já não temos de sentir que as nossos revezes de fortuna dizem algo único e chocante a nosso respeito. Podemos começar a redescobrir um gosto pela vida quando vemos que não estamos sozinhos em querer desistir dela; que é aceitável, mesmo necessário, por vezes odiar os "bastardos" sorridentes que tanto irritaram Rothko e irritam qualquer outra pessoa com coração. 

Podemos construir amizades - imaginativas, artísticas ou reais - em torno da honestidade partilhada sobre a tragédia. Teremos depositado a nossa primeira razão de viver quando soubermos que não somos excepcionalmente estúpidos por acharmos as coisas muito difíceis. A infelicidade é - como artistas sábios sempre gostaram de nos lembrar e apesar das sugestões de todos os anúncios, das brochuras e das pessoas confiantes que se congratulam nos restaurantes chiques do mundo - muito normal, de facto.

The School of Life

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