August 31, 2021

O visível e o invisível

 


"Literatura, música, paixões, mas também a experiência do mundo visível são, não menos que a ciência de Lavoisier ou Ampère a exploração de um invisível e, tal como essas, o desvendar de um universo de ideias. Simplesmente, este invisível, estas ideias, não se deixam desligada, como as outras, das aparências sensíveis e erigir como uma segunda positividade. A ideia musical, a ideia literária, a dialéctica do amor e também as articulações da luz, os modos de exposição do som e do tacto falam-nos, têm a sua lógica, a sua coerência, as suas referências cruzadas, as suas concordâncias e, também aqui, as aparências são o disfarce de "forças" e "leis" desconhecidas. Simplesmente, é como se o segredo onde eles estão e do qual a expressão literária os extrai fosse o seu próprio modo de existência; estas verdades não estão apenas escondidas como uma realidade física que não fomos capazes de descobrir, invisível de facto, que um dia seremos capazes de ver face a face ou que outros, melhor colocados, poderiam ver agora mesmo, desde que o ecrã que as mascara fosse removido. Aqui, pelo contrário, não há visão sem um ecrã: as ideias de que falamos não nos seriam mais conhecidas se não tivéssemos corpo e sensibilidade, é então que nos seriam inacessíveis; a petite phrase, a noção de luz, não mais do que uma "ideia de inteligência", não se esgotam pelas suas manifestações, só nos podem ser dadas como ideias numa experiência carnal.

   — Merleau-Ponty, Le Visible et L'invisible, Gallimard, 1964

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