August 02, 2021

Espero que num futuro próximo ninguém tenha que passar por isto de ficar sem cabelo

 


Passar pela quimioterapia, quero eu dizer. É uma coisa mesmo agressiva e violenta, por dentro e por fora. E sim, a queda do cabelo é horrível - por duas razões: uma está em que uma pessoa olhar-se ao espelho e não se ver com ar de cancerosa ajuda muito à disposição e motivação geral para o tratamento. Foi logo uma das coisas que os médicos oncológicos me disseram, 'não descurar a aparência porque uma pessoa ver-se com bom aspecto ajuda muito à vontade de estar bem e a não cair em estados depressivos ou depressões'; em segundo lugar, perder o cabelo é igual a andar com uma tabuleta a avisar que temos cancro e quando as pessoas sabem que temos cancro mudam a atitude e já nem falam de outra coisa. Eu sei que é por bem e com boa intenção, mas é deprimente. Lembro-me de uma altura em que deixei de ir a festinhas de família porque já não aguentava ter que falar da doença e do tratamento a cada pessoa que ainda não me tinha visto depois de ficar doente. Acima de tudo, como fui dar aulas logo 15 dias após o tratamento acabar (acabou no fim de Agosto e as aulas começaram a meio de Setembro) não queria chegar às turmas e estar limitada pela doença. Uma coisa é os alunos saberem da doença (conheciam-me do ano anterior e sabiam o que se passava) e falar nisso normalmente, porque entendo que é bom os alunos perceberem que os professores são pessoas com uma vida que não se esgota na escola e verem que é possível lidar com os problemas de saúde de maneira razoável, outra muito diferente é estarem a olhar para mim e não ser possível não estar a ver a doença no meu aspecto. Não queria que isso fosse uma espécie de elefante no meio da sala. E andar na rua ou ir a uma loja e toda gente ver na nossa cabeça o boletim de saúde, é horrível.

Felizmente, os cuidados que tive evitaram que me caísse o cabelo. Sim, sim, tive cuidados porque passadas três semanas do primeiro tratamento, estava eu a tomar duche e a lavar a cabeça e conforme ponho champô e esfrego, vem na mão um novelo de cabelo. Parei logo ali. Adoptei uma série de cuidados que me pareceram lógicos, porque não encontrei conselhos em lado algum sobre o assunto (também neste artigo não se fala disso) e a verdade é que resultaram, apesar do cabelo ter ficado enfraquecido, seco e com mau aspecto durante mais de um ano após o fim dos tratamentos. No entanto, há pessoas que mesmo com cuidado perdem o cabelo - lembro-me de estar um dia no tratamento e uma das mulheres que lá estava enervar-se com aquilo, começar a pôr as mãos na cabeça e conforme passava a mão no cabelo caiam-lhe pedaços grandes de cabelo. Começou a chorar, vieram os enfermeiros... ... é duro ser enfermeiro oncológico... Enfim, vi pessoas com toucas de gelo na cabeça para evitar a queda de cabelo, mas aquilo parecia-me uma tortura, mais a mais porque o tratamento dura horas que podem ser quatro ou cinco, como o meu ou mais, 6 horas. E são caríssimas... tendo em conta que o tratamento da doença é já de si uma fortuna... (não percebo a razão dos governos não se juntarem e mexerem para baixar o custo do tratamento do cancro. Dezenas ou centenas de milhões de pessoas com a doença...  os medicamentos da imunoterapia, ao contrário dos da químio que dependem de substâncias naturais raras, algumas, são proteínas e isso - o meu medicamento, por exemplo, é produzido em ovários de hamster chineses... as farmacêuticas precisavam de um grande abanão)

A imunoterapia não tem estes efeitos secundários. Espero que num futuro próximo a quimioterapia e a radioterapia (meu deus, a radioterapia...) se tornem uma coisa do passado como sangrar doentes ou enchê-los de sanguessugas e que melhorem a imunoterapia. Melhor ainda, que produzam vacinas para os cancros. Até lá, tudo o que se puder fazer -como doar cabelo ao IPO, por exemplo- é louvável.





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