July 19, 2021

Tudo o que vai mal no ensino - parte I

 


Quando as mudanças têm por base enganos, desinformação e artifícios o que se pode esperar delas? Que mérito podem ter? O ME, calcula-se que na pessoa do SE que é quem capitaneia este desastre educativo vem dizer que as AE têm nota positiva - faz lembrar aqueles professores que inflacionam as suas notas para aparecerem bem, como pessoas competentes. Isto é honesto?

Senão, vejamos:

1.

“a grande maioria dos professores indica que as Aprendizagens Essenciais (AE) têm sido, desde 2018 [data da sua homologação], o documento de orientação curricular privilegiado nas suas decisões relativas à planificação, realização e avaliação do ensino e da aprendizagem”, 

O facto de os professores adoptarem o documento, que é obrigatório, segundo a informação das estruturas dirigentes das escolas, não significa aprovação. Significa que em programas extensos onde muitas vezes é preciso sacrificar algum tema e onde se sabe que só os conteúdos das AE saem em exame, é evidente que os professores passaram a dar as AE. Que tem isto que ver com aprovação? Se disserem a alguém, a corrida são 10 km mas podes correr só 5km sem penalização, o facto da pessoa correr só 5 km não significa a aprovação da pista ou da prova... significa uma escolha económica e pragmática, mais nada.

2.

"...definição destas AE, que esteve sobretudo a cargo das associações de professores, tornou-se necessária para resolver o problema da “extensão” dos programas..."

O termo, «resolver» está aqui errado. Resolver seria refazer o programa de modo a não lhe retirar coerência e propósito. Não foi o caso. Nas disciplinas que lecciono, mas sei que também em outras, pois falo com os colegas, o programa foi cortado. Cortaram pedaços de maneira que o que ficou tem partes com coerência e outras que ficaram desconexas. Isto não é resolver nada. É cortar a eito. É como estão a fazer na TAP e fazem em empresas: não sabemos como resolver, vamos cortar. Mais, só fizeram AE para as disciplinas que têm exame obrigatório. Nas outras, não só não mexeram nos programas como até lhes retiraram tempo curricular. Na Psicologia, na Biologia de 12º ano, etc. O que mostra o desinteresse pela aprendizagem dos alunos e o fito único de aparecer como competente (não sendo, infelizmente) simplificando os programas até qualquer dia chegarmos à chachada.

3.

"...a aplicação das novas aprendizagens tem sido um percurso fácil: “Cerca de dois terços dos professores não manifestaram quaisquer dificuldades na leitura e compreensão dos documentos das AE.” Mais de metade dos docentes afirma também que estas aprendizagens são de “grande importância na melhoria das aprendizagens de todos os alunos e na implementação de metodologias ativas”.

Aqui há dois problemas: o primeiro é dizer-se que as AE são boas porque são tão fáceis de perceber que dois terços dos professores perceberam os documentos... aqui a vontade que tenho é de chamar nomes muito feios ao senhor em questão que chama estúpidos aos professores e dá a entender que os programas têm de ser uma porcariazinha senão os professores não entendem. Isto não é mesmo estúpido? O segundo é dizer-se que as AE são de grande importância porque metade dos professores o disse. Tanto esta metade como os 'dois terços' mencionados mais acima referem-se a percentagem de inquiridos, que podem ter sido 50 professores ou até 100... num universo de 120 mil professores, isso é o quê...? Zero, qualquer coisa por cento. Porém, dão a entender, falsamente, que se referem a metade ou dois terços de todos os professores. Desinformação.

4. Transcrevem as opiniões dos autores das AE -as associações das várias disciplinas AE. O que diriam? Que estão mal feitas?? Das outras disciplinas não sei, mas da Filosofia, o que é dito não é verdade, em parte e, noutra parte, é inadequado, nomeadamente: 

 Por isso, o programa que continuou em vigor até este mês ainda era o que foi aprovado em 2001. “Era tão vago que, se uma pessoa passasse de uma sala de aula para outra, parecia que tinha mudado de planeta, tal era a diferença entre o que cada professor escolhia entre os muitos tópicos opcionais que preenchiam o programa”, 

É mentira que o programa fosse vago. Era claro e coerente. Tinha falhas, mas nada que se pareça com esta manta de retalhos das AE. Não é verdade que os professores escolhessem do programa o que lhes apetecia, pois a maioria dos temas eram obrigatórios; depois, havia temas de opção que escolhíamos de acordo com as turmas, o que é bom para motivar alunos e motivar os professores para o trabalho. Mas estes senhores gostam de autoritarismo e de ser tudo uniforme e sem espírito de diferença ou espírito crítico. 

Aprendizagens Essenciais, homologadas em 2018/2019, foram “no sentido desejado: são menos extensas, mais precisas e claras do que o anterior programa” e tornaram “mais fácil cativar os alunos”.

Desejado?? Desejado por si, não pelos professores. Alguns gostarão destas AE, mas não pode falar por todos porque há muitos colegas contra estas AE. Nem é verdade que tenham tornado mais fácil cativar os alunos, nem é esse o propósito de um programa. Cativar alunos é uma tarefa do professor. E na verdade, a maioria dos alunos, exceptuando alguns de ciências, não gostam da Lógica, que agora é extensíssima. Devo dizer que sou a favor de se dar a Lógica como deve ser e que nestas AE, este tema, ficou melhor do que era, mas os alunos não gostam nada do tema à partida. Para eles é matemática e tudo o que é matemática é repulsivo. Portanto, não é verdade o que este senhor diz. Depois, para se estender tanto este tema, cortaram-se pedaços do programa que ficaram incoerentes. Não souberam fazer as coisas.

“o factor tempo não está tão associado ao volume de conhecimentos, mas ao tipo de metodologias e estratégias usadas em aula”. “muitos professores continuam a resistir às mudanças introduzidas pelas AE”.
Esta frase é gratuita: dá a entender que há metodologias mágicas que põem os alunos a aprender tudo... acho graça, num sentido anti-filosófico... que ele considere que quem não concorda com ele é porque resiste à mudança e que não lhe passe pela cabeça que possa estar errado, nomeadamente, por ter concebido estas AE à revelia dos professores.

Enfim, é este documento cheio de desinformação e engodos, como fazer crer que os professores estão todos de acordo e ir buscar a opinião daqueles que contratou para fazer as ditas cujas AE como se fossem opiniões objectivas e imparciais que nos põem na cara.

Quando os documentos das reformas têm por base falsidades e artifícios que crédito podem ter as reformas??


Aprendizagens Essenciais têm positiva na avaliação prometida pela tutela

Ministério da Educação revela resultados do inquéritos feito a professores. Entre os docentes consultados pelo PÚBLICO há uma nota que sobressai: as AE carecem de revisão urgente.

Os programas curriculares das disciplinas do ensino básico e secundário foram revogados este mês, mas no terreno “a grande maioria dos professores indica que as Aprendizagens Essenciais (AE) têm sido, desde 2018 [data da sua homologação], o documento de orientação curricular privilegiado nas suas decisões relativas à planificação, realização e avaliação do ensino e da aprendizagem”, revelou o Ministério da Educação em respostas ao PÚBLICO.

Este é um dos resultados preliminares do inquérito promovido entre Março e Abril no âmbito da avaliação à aplicação das AE. Responderam cerca de dez mil professores. A avaliação da implementação das AE foi entregue pelo ministério ao Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, também responsável pelo inquérito já aplicado.

Para o Ministério da Educação (ME), a definição destas AE, que esteve sobretudo a cargo das associações de professores, tornou-se necessária para resolver o problema da “extensão” dos programas que estavam em vigor e permitir que seja fixado um “conjunto essencial de conteúdos” que todos os alunos devem saber, em cada disciplina, no final de cada ano de escolaridade.

A avaliar pelos resultados do inquérito realizado este ano, a aplicação das novas aprendizagens tem sido um percurso fácil: “Cerca de dois terços dos professores não manifestaram quaisquer dificuldades na leitura e compreensão dos documentos das AE.” Mais de metade dos docentes afirma também que estas aprendizagens são de “grande importância na melhoria das aprendizagens de todos os alunos e na implementação de metodologias ativas”.

Português:
Considero haver um balanço bastante positivo, sobretudo nestes dois anos de ensino mais complexo devido à pandemia
Rosário Andorinha, professora de Português do ensino secundário
Já entre os docentes consultados pelo PÚBLICO sobressai este diagnóstico: apesar de recentes, também as AE carecem de revisão urgente.

A introdução das chamadas Aprendizagens Essenciais foi recebida com um coro de críticas por parte de especialistas e docentes, que alertaram que as opções feitas para reduzir os programas em vigor constituem, na prática, uma ameaça à formação dos alunos. A mesma crítica foi feita agora a propósito do despacho do passado dia 6 que revogou todos os programas e metas em vigor, formalizando as AE como o principal documento orientador em conjunto com o Perfil do Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, que descreve as competências que os jovens devem ter nessa altura, e a Estratégia para a Cidadania.



Filosofia: “Mais fácil cativar os alunos”

Filosofia foi das poucas disciplinas que passaram ao lado das metas curriculares de Nuno Crato. Por isso, o programa que continuou em vigor até este mês ainda era o que foi aprovado em 2001. “Era tão vago que, se uma pessoa passasse de uma sala de aula para outra, parecia que tinha mudado de planeta, tal era a diferença entre o que cada professor escolhia entre os muitos tópicos opcionais que preenchiam o programa”, descreve o docente de Filosofia do secundário, Aires de Almeida.

Por essa razão, as Aprendizagens Essenciais, homologadas em 2018/2019, foram “no sentido desejado: são menos extensas, mais precisas e claras do que o anterior programa” e tornaram “mais fácil cativar os alunos”.

O também membro da Sociedade Portuguesa de Filosofia considera, apesar de tudo, que as AE poderiam ainda ser “mais curtas e concisas”, mas duvida que possam por agora ser revistas, já que só no 10.º ano há uma dezena de manuais que foram aprovados em 2021 para um prazo de vigência de seis anos.

Por agora, a Associação de Professores de Filosofia (APF) aguarda que “sejam publicados os resultados da avaliação externa da implementação das Aprendizagens Essenciais”, a cargo do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. “Todas as AE assentam no pressuposto de que as competências específicas das disciplinas e áreas disciplinares (que incorporam conhecimentos, uma vez que não há competências sem conhecimentos) se devem cruzar com as estabelecidas no Perfil do Aluno. Este cruzamento exige, da parte do professor, flexibilidade na planificação”.

Por essa razão, prossegue, “o factor tempo não está tão associado ao volume de conhecimentos, mas ao tipo de metodologias e estratégias usadas em aula”. Sendo que, acrescenta Aires de Almeida, “muitos professores continuam a resistir às mudanças introduzidas pelas AE”.

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