Costa diz que julgamentos devem ser feitos nos tribunais e não no espaço público
Este artigo é a resposta a Costa que diz sempre que tudo depende da justiça. O que depende e o que não depende. Então e a sua responsabilidade política com os ministros que contrata? Também é da justiça? Também é um irresponsável que não vê, não ouve, não sabe como do Cabritas do seu governo?
A Politica Sem Responsabilidade
Miguel Poiares Maduro
Vivia em Itália quando teve lugar a Operação Mãos Limpas, nos anos 90. Começou num político menor, mas estendeu-se rapidamente a toda a elite política e económica italiana, revelando um regime estruturalmente corrupto. À medida que o foco se tornou toda a teia de interesses e proximidades em que assentava esse regime, a justiça foi confrontada com a dificuldade de distinguir entre comportamentos suscetíveis de prova criminal e comportamentos eticamente reprováveis mas sem relevância ou prova criminal. Muitos processos acabaram sem condenações e a justiça tornou-se, ela mesma, o foco da discussão política. A consequência foi a substituição de uma classe política por outra classe política, sem substituir, no entanto, a cultura política dominante.
Também entre nós se sucedem os processos envolvendo a nossa elite económica e política. Como escreveu João Miguel Tavares, é o regime que está sob processo quando parte importante da elite está sob processo. A lição a retirar do caso italiano não é, no entanto (como alguns gostariam), que mais vale a justiça estar quieta e não fazer nada. A lição principal passa antes por perceber por que razão a justiça é conduzida a desempenhar este papel de julgar todo um regime. Num texto sobre a crescente criminalização da atividade política, Olivier Beaud * identifica essa circunstância, em grande parte, com a inexistência de formas de responsabilização eficaz dentro do sistema político. Isto conduz, inevitavelmente, a uma pressão sobre o sistema judicial para assumir o papel que a política se demonstra incapaz de exercer.
A eliminação da responsabilidade política e a sua redução à responsabilidade criminal é aquilo a que temos assistido entre nós. Desde Sócrates (que continua a ser tratado pela classe política apenas e só como um caso de justiça) aos sucessivos casos que envolvem o Governo. Os apelos à responsabilidade política ou são ignorados ou são tratados como uma questão de direito cuja avaliação pertence à justiça. Limito-me a dar o exemplo mais recente, que envolve o presidente designado do Banco de Fomento (responsável pela gestão de parte significativa dos fundos europeus). Ele não é, para já, arguido no processo que envolve, entre outros, Luís Filipe Vieira. Os factos do processo recordam apenas o que já sabíamos: uma carreira associada a pessoas e momentos problemáticos na gestão de certos bancos. Se isso é suficiente ou não para o excluir da gestão dos fundos, exige um juízo político. No entanto, para não assumir (se não mesmo proteger) a sua responsabilidade política por essa escolha, o Governo reenvia o tema para o Ministério Público, dizendo que vai procurar saber junto deste do estado do processo. Acontece que o MP pode não estar (nem nunca vir a estar) em condições de fazer qualquer juízo criminal sobre este caso e não é ao MP que compete fazer o juízo político. Elimina-se a dimensão política da responsabilidade e a dimensão criminal pode facilmente não existir ou fracassar.
A consequência é duplamente negativa. Por um lado, deixa de existir responsabilidade política, por outro, a transferência de todo o juízo de responsabilidade para a justiça vai conduzi-la a frequentes fracassos (sempre que tal responsabilidade política não coincida com responsabilidade criminal). Isto não tem apenas um custo para a justiça. A exposição na justiça dos políticos, sem que esta os consiga responsabilizar, vai reforçar perante os cidadãos a ideia de que é todo o regime que está viciado e deve ser substituído.
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