É difícil definir a sabedoria. Tem demasiadas variáveis. No entanto, reconhecemo-la quando a vemos. É como definir um bom professor. É muito difícil porque tem muitas variáveis. No entanto, reconhecemo-lo quando o vemos.
A sabedoria está ligada à capacidade de pensar e agir usando conhecimentos, experiência, compreensão, bom senso, discernimento e insight, esse 'ver para dentro' das coisas, das pessoas e dos processos com clareza. Está associada a atributos como o juízo imparcial, a compaixão, o auto-conhecimento experiencial, auto-transcendência e distanciamento. Ainda a virtudes como o bem. A sabedoria não equivale à verdade mas não existe sem ela, portanto, também implica a verdade.O problema destas definições é que encontramos pessoas com sabedoria mas sem várias destas características. Bem, poder-se-ia dizer que isso acontece porque existem sabedorias parciais, práticas. Há pessoas que são mestres -não falo do título académico- nos seus ofícios. Reconhecemos a sua sabedoria no exercício dos seus ofícios (o modo como usaram os seus conhecimentos para desenvolver uma perícia inteligente) sem no entanto terem todas aquelas características, que descrevem uma sabedoria do tipo filosófica, portanto, abrangente, global, da vida, da realidade e dos seus processos.
Diria que em todos esses tipos de sabedoria há um elemento comum que é o re-arranjo constante das partes. É certo que aquelas características enunciadas acima têm de existir em maior ou menor grau, mas de nada servem se não forem usadas para refazer o todo pois de outro modo são apenas uma pilha de conhecimentos e características desconexos.
Portanto a sabedoria é o re-arranjo constante das partes de modo coerente e significativo mas objectivo, aberto à evolução e verdadeiro - no sentido de resistir a testes mantendo a sua validade.
Porém, para que a sabedoria não se perca com o tempo, para que não seja temporária, é preciso que sejamos capazes de ir directamente às fontes da informação (ver o que é e não é aplicável e universalizável) para não correr o risco da 'sabedoria' ser uma colecção de regras cristalizadas e inúteis que já não saberíamos destrinçar, à maneira dos ditados populares que dizem tudo e o seu contrário, dependendo da situação.
Por exemplo, a maioria das pessoas transforma-se com a idade/experiência e cristaliza regras em si que depois aplica aos filhos, mas já sem se lembrarem de como era ser adolescente, do que se sentia, de como se via o mundo, etc. Por isso a maioria não tem sabedoria a lidar com os filhos adolescentes - porque cristalizaram regras e perderam o acesso à fonte dessas regras. Esquecem, de maneira que não estão a lidar com os filhos adolescentes mas com as suas regras pessoais que ficaram de quando eram adolescentes. Estão a lidar é consigo próprias.
Portanto a sabedoria é o re-arranjo constante das partes de modo coerente e significativo, objectivo e verdadeiro/válido mantendo viva na sua memória a/s fonte/s da experiência - o passado e o presente como pares, em igualdade, pois se os conhecimentos evoluem, as experiências que estão na sua fonte, são o que são; o que foram, ainda o são. O conhecimento torna a experiência significativa mas não a anula, nem modifica o que ela foi. Ela foi o que foi.
Uma pessoa que cria, seja uma pintura, uma obra de literatura ou de filosofia tem que ser capaz de ir até à raíz da sua experiência porque é aí que está o material a ser usado.
Portanto, não há sabedoria sem sofrimento. Não é por acaso que Homero chama polytropos a Ulisses quando quer referir-se à sua sabedoria em resistir à tentação da oferta de imortalidade de Calipso - é porque Ulisses, «já deu muitas voltas», «já passou por muitas situações» de enganos, ilusões, sofrimento e, sendo alguém que reflecte, que tem discernimento e memória, reconhece-as.
Portanto, a sabedoria é o re-arranjo constante das partes de modo coerente e significativo, objectivo e verdadeiro/válido mantendo viva na sua memória a/s fonte/s da experiência e aceitando que ela, sabedoria, não se realiza sem sofrimento.
Freud, na sua teoria psicanalítica defendia o método da palavra, como lhe chamava. Trata-se de ir até à fonte dos traumas, revivê-los emocionalmente e superá-los através da sua racionalização. Na prática, dissociar-se emocionalmente do trauma para poder conviver com a sua memória sem sofrimento e/ou sintomas psíquicos.
Li há tempos que desenvolveram uma técnica para as vítimas de violação conseguirem lembrar-se dos eventos e superarem o trauma que consiste em a pessoa escrever uma carta a si mesma com os pormenores do evento e depois lê-la a si mesma em voz alta várias vezes até que todo o evento seja uma narrativa sem carga emocional, como se estivesse a ler uma história de outra pessoa - é a técnica de Freud: fazer a catarse da emoção e deixar apenas o relato do acontecimento.
É muito interessante e parece que resulta, mas não serve à sabedoria, que nos lembremos da fonte dos nosso problemas sem as emoções que os acompanharam porque isso distorce a própria experiência. O que interessa à sabedoria é lembrar-se dos eventos com as emoções que lhes estão ligadas (embora depois requeira distanciamento de reflexão), para não desvirtuar a fonte experiencial a partir da qual se compreende o real. Porque o pensamento pensa sobre um conteúdo, o real, mas se temos dessas experiências apenas a ideia racionalizada, descarnada da emoção/conteúdo, então não estamos a pensar num conteúdo real, mas no pensamento que pensou o evento/conteúdo. O que é outra coisa diferente.
Por isso a sabedoria, esta sabedoria da vida é tão difícil: porque requer muita entrega de si, muita clareza para dentro, antes de ser para fora, o que obriga a muito sofrimento. E quem é que quer sofrimento?
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