July 27, 2021

Esta mulher formou-se em engenharia e filosofia e compara

 



Este artigo explica muito bem porque é que o slogan desta equipa do ME, que não é novo -«aprender a aprender»- é muito diferente daquilo que apregoam de modo simplório. Esta mulher tirou um curso de engenharia que rapidamente se desactualizou. Ao mesmo tempo tirou um curso de artes (como lá chamam às Humanidades), com especialização em filosofia onde desenvolveu uma atitude crítica e inquisitiva. Esta atitude que foi buscar à filosofia juntamente com uma base sólida teórica de física e matemática, foi o que lhe possibilitou, «aprender a aprender» e ultrapassar a rápida decadência técnica própria da área da engenharia.

Por outras palavras, apenas com conhecimentos técnicos/práticos não saberia adaptar-se e evoluir. As técnicas, sejam de lógica ou de práticas de engenharia, não se desenvolvem no vazio, mas apoiadas em sólidos conhecimentos/conceitos estruturais, pois caso contrário são papagueantes e cristalizadoras.
Repare-se que ela não desenvolveu a atitude crítica e o pensamento lógico inquisitivo no curso de engenharia - portanto, a ideia de que qualquer pessoa pode desenvolver nos outros um espírito crítico, ensinando umas «técnicas de aprender a aprender», que é o que a equipa do ME defende e para a qual criou, em grande parte, a disciplina de cidadania, é errada e inútil. Assim como o mero aprender a «fazer» sem os conceitos teóricos que o sustentam, tem uma curta expectativa de vida.

O que pode e deve acontecer é os professores, nas suas respectivas disciplinas, treinarem a pensar os conceitos da disciplina para além de treinarem os alunos nas técnicas e o «aprender a aprender» passa exactamente por aí, por desenvolverem o pensamento nos conceitos dessas disciplinas de modo a manterem-se maleáveis intelectualmente. Desenvolverem um espírito crítico, lógico e dialéctico face à realidade, isso aprende-se com a filosofia - embora, as pessoas que rodeiam os alunos tenham um papel importante. Se a família pratica a discussão saudável e o pensamento crítico, se lêem e discutem leituras com os filhos desde cedo, isso ajuda a formar um espírito crítico. Porém, é diferente dum treino formal, onde se aprende arquitectura conceptual e atitude interrogativa perspectivada.


Diplomas universitários vocacionados para o emprego podem não ser a solução para o ensino superior que esperamos


Por Rosemary Barnes

Em 2005 licenciei-me na universidade com uma licenciatura combinada em engenharia e artes, com uma especialização em filosofia.

Agora, com 15 anos de experiência como engenheira profissional especializada em tecnologia de turbinas eólicas, posso olhar para trás e comparar a praticidade e "relevância profissional" das minhas duas qualificações terciárias.

A minha média de notas foi quase exactamente a mesma em ambos os cursos e embora eu não possa dizer que um foi mais fácil do que o outro, eram certamente muito diferentes.

As notas de engenharia pareciam estar quase directamente relacionadas com o número de horas passadas a estudar e a fazer tarefas: 10 horas de estudo poderiam dar-me um passe, 20 um crédito, 30 uma distinção, por exemplo.

Sim, houve alguma variação entre os cursos, dependendo de como o conteúdo me era mais natural. Levei menos tempo a estudar as distinções na mecânica dos materiais do que na engenharia de software.

Com as disciplinas de artes, contudo, não havia tal relação entre as horas passadas e a nota obtida. Pelo contrário, o sucesso dependia de ter uma boa ideia e o facto de ter, ou não, parecia-me bastante aleatório. Sem uma ideia boa e original, era quase impossível obter mais do que um crédito, por mais horas que passasse a reescrever os meus ensaios.

Havia outras diferenças.

O meu curso de artes concentrou-se em conceitos teóricos e competências nucleares e muito pouco no tipo de tarefas específicas que se poderia esperar realizar num trabalho.

Como estudante de filosofia, adquiri capacidades de pensamento crítico e de lógica e pratiquei a sua aplicação a uma variedade de questões até estarem profundamente enraizadas na forma como agora interpreto e interajo com o mundo.

Na engenharia, o foco estava em parte na aprendizagem de conceitos centrais, como física e matemática, mas com um segundo foco importante na ideia de "prontidão para o trabalho". Aprendi tarefas reais que podíamos esperar utilizar num trabalho futuro. A aptidão para o trabalho foi sendo cada vez mais realçada à medida que progredia nos meus cinco anos na universidade.

Os campos técnicos movem-se rapidamente

O interessante sobre as competências de "preparação para o trabalho" que aprendi na universidade é que estas são as competências que rapidamente se tornaram desactualizadas em profissões técnicas como a engenharia. Quinze anos após a graduação, o material 'pronto para o trabalho' que aprendi na minha licenciatura já não é relevante.

Os programas (por exemplo, o desenho assistido por computador ou programa CAD que aprendi) e mesmo os tipos de análise estrutural evoluíram de modo irreconhecível. A linguagem informática em que aprendi a codificar, métodos de gestão de projectos, métodos de fabrico - de facto, quase todos os exemplos práticos - estavam risivelmente desactualizados com cinco anos de licenciatura.

Campos técnicos como a engenharia movem-se rapidamente e como profissional é preciso ser capaz de aprender e adaptar-se rapidamente para se poder manter actualizado. Muitos campos importantes em que me tornei especialista agora não existiam quando estava na universidade.

Mas porque aprendi como aprender e tenho uma boa base teórica em física e matemática sou capaz de me manter actualizada com a minha área que está sempre em rápida evolução.

Creio que outra questão é crucial: a indústria não sabe necessariamente o que precisa e especialmente o que será necessário no futuro. Juntamente com muitos outros recém-formados, fui criticada pela minha falta de preparação para o trabalho nos meus primeiros anos de trabalho.

Algumas destas críticas eram de que a minha geração não estava disposta a fazer tarefas menores, de que eu não conseguia fazer rascunhos (embora essa habilidade não fosse necessária), ou de que não conhecia um programa CAD específico utilizado pela minha empresa (aprendi-o numa semana).

Acrescentar mais aptidões práticas para o trabalho aos cursos universitários reduzirá a quantidade de tempo que pode ser gasto nos importantes blocos teóricos de construção, levando a resultados perversos dentro de poucos anos após a saída dos licenciados da universidade.

As suas competências técnicas tornar-se-ão desactualizadas muito rapidamente se se tiverem concentrado na aprendizagem de competências específicas à custa de uma base teórica rigorosa.

5 comments:

  1. Eu sou de Português, como soi dizer-se, e ando desde sempre a ouvir a pergunta em torno de qual o interesse para os alunos do estudo de 'Os Maias' ou Pessoa.
    Até meio do 11.° ano, vou explicando, mas depois canso-me (sei que não o deveria fazer), até porque a principal preocupação é fazê-los ir às aulas e não partirem nada ou ninguém.

    Nunca percebi essa coisa do aprender a aprender. Todos nós tivemos de aprender imensas coisas nos anos que levamos de profissão. Lá no bairro, até 1980 não tínhamos eletricidade ou telefone em casa. Aliás, este só chegou na década de 90. E subitamente levámos com computadores e o diabo a sete. E quase ninguém ficou grudado numa sala de aula, incapaz de se adaptar, aprender e acompanhar os tempos. Até conseguimos decifrar parte do código de um blogue, por exemplo, sozinhos. E quando me falam nas tretas com que os sucessivos ME nos impingem, pergunto sempre: se o aluno não sabe nada, vai desenvolver que competência? Ah e tal, não é preciso teoria, porque está tudo no Google. Que bom! Qualquer dia, estamos a fazer o caminho inverso, em direção ao macaco.
    Ah e tal, a escola é do século XIX e tem de se adaptar e ensinar para o mercado de trabalho. Como se a escola hoje fosse igual à de há 20 anos. Como se, nesta vertigem contínua de transformações, alguém fosse capaz de prever o que será o mercado de trabalho em 2030, quanto mais em 2050 ou 100.
    Ah e tal os alunos hoje já nascem a saber tecnologia. E depois não sabem nada do assunto, exceto ligar-se às redes anti-sociais e passar o tempo a assassinarem a língua portuguesa.
    E a Beatriz está enganada: o que não falta ao pessoal é espírito crítico. Toda a gente opina sobre tudo fá-lo com uma profundidade e assertividade assinaláveis. O trabalho que eu tive para convencer os meus alunos do 12.° de que todas as pandemias (ou equivalentes) começavam sempre nas décadas de 20. Estava no Facebook. Fiz uma recolha de bibliografia e mandei-os fazer um trabalho no sentido de verificarem a sapiência do Zuckerberg. Foi um aborrecimento para todos e uma inutilidade: não ficaram convencidos, porque contra-argumentaram com uma série de páginas da Net que confirmavam a teoria inicial.

    Em suma, detesto digitar num telemóvel e gastei uma série de linhas para um discurso desconexo e simplista.

    E, no final, continua a pairar a pergunta: Oh setôr, para que me serve esta coisa do Pessoa e dos artónimos, se eu vou ser enfermeiro? Fui buscar o Padre Vieira e citei-lhe a passagem bíblica que se refere aos pobres de espírito. O problema depois foi a mãe, que se foi queixar à direção. Mas isso é conversa para outro dia.

    ReplyDelete
    Replies
    1. Não percebi essa do código do blog... parece uma ameaça...

      Delete
    2. Agora, fez-me rir.

      O que diz dizer foi que, apesar de ser «vítimas» da escola do século XIX e dos professores do século XX, temos a capacidade de nos adaptarmos e fazermos coisas por nós mesmos. A questão do código do blogue é isso mesmo: não percebo «nada» de Matemática ou TIC, mas, estudando, observando, experimentando, errando e acertando, consegui descobrir como mexer em parte do código de páginas da Internet, no sentido de produzir alterações nelas... criadas por mim, não de ser uma espécie de «ácaro». Isso deixo para os Ruis Pintos.

      Delete
  2. obrigada pela explicação. não tinha percebido à primeira...

    ReplyDelete