July 05, 2021

Duas palavras - 2ª - Culpa

 


Carência de discernimento, falta de diligência, em contraposição com «dolo» que significa a intenção de causar prejuízo. 

Termos sido culpados não quer dizer que se possa sempre atribuir a «culpabilidade». «Delito culposo» como se diz na linguagem jurídica. Mais outro termo de origem imprecisa.

«Culpa» deriva, indubitavelmente, do latim, culpa, que equivale a «pecado» - como aparece na confissão católica latina quando a meio da oração se bate três vezes no peito enquanto se diz, mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa, «por minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa».

Se em italiano encontramos, colpa e em português e espanhol temos a forma docta (cultismo) do latim, culpa, no francês antigo vemos a forma coupe, substantivo feminino, transformar-se, hoje-em-dia em, faute. Mas atenção! Se, em Paris, os convidarem para tomar uma coupe, um «copo» ou quando vos der na gana de mudar de penteado com une coupe de cheveux, um «corte de cabelo» ou ainda, se quiserem comprar um automóvel, coupé, não está em jogo nenhuma «culpa» etimológica. São outros os caminhos seguidos por estas palavras: coupe, no sentido de «taça, copo», deriva do latim copa, de onde vem o inglês cup, a «taça» levantada pelo vencedor, enquanto couper, «cortar», «separar com um golpe», vem do latim, colpus.

Segundo Pianigiani, os etimologistas antigos propunham, para a palavra «culpa», uma descendência do grego κελλό (/kéllo/), isto é, «incitar» (a provocar dano); porém, este resultado é rejeitado por linguistas modernos em favor da raíz do sânscrito kalp-, «causar», que no antigo gótico e no alto alemão deu origem a hilpan ou hilfan, «tenciono ajudar-te», acrescentado, tacitamente, «perdoa se não consegui e não me saí lá muito bem».

Tal como no lituano, szelpti; literalmente, «tinha tudo preparado mas correu tudo mal» ¿também vêem nesta palavra algo do help inglês?

Culpar, desculpar, culpabilidade... ou exculpar, «tirar as culpas». Étimo preciosíssimo este último para encerrar os nossos tribunais interiores. No que respeita à lei, já lá está a justiça, mesmo que faltem séculos para que se torne efectiva.

Quanto ao respeito por nós mesmos, escreve Ésquilo na sua tragédia, Agamenon, Παθέι μάθος (/páthei máthos/), «aprendizagem através da dor». Nas dificuldades e no sofrimento é onde o ser humano amadurece o conhecimento, a consciência de si mesmo e das suas possibilidades. 

Apesar de sermos sempre «culpados», podemos fazer as pazes com as nossas sombras para não corrermos o risco de nos convertermos (etimologicamente) em carpideiros, inimigos de nós mesmos e dos que connosco estão.

E quem não aceita este étimo que «atire a primeira pedra.»


do livro, Etimologías Para Sobreviver Al Caos de Andrea Marcolongo, ed. taurus (com adaptações)


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