July 07, 2021

Chumbar a cidadania - um caso lamentável de ambos os lados

 


Ambos os campos falharam em educar os alunos/filhos em questão para a cidadania.
Este assunto é complexo e os argumentos de ambos os lados não abarcam a sua complexidade, sendo que alguns nem são válidos, sequer. Como esta polémica diz respeito a valores incompatíveis e não a factos simples que podem ser corroborados -por exemplo, se nasceste em Lisboa (Portugal) és português de naturalidade- não tem uma resolução única e consensual, o que aliás se vê pelas polémicas à volta do assunto. 
Logo, os adultos, a quem os dois adolescentes em causa observam e julgam, devem comportar-se com bom senso e um mínimo de dignidade que é aquilo que nos faz respeitar uns aos outros. Restando saber o que é o bom senso neste caso em particular. Já lá vamos.

Os argumentos de ambos os lados não resolvem o problema. 

Do lado dos pais argumenta-se que:

1. A educação é um direito e um dever dos pais; [sim, mas também é um direito das pessoas/alunos e um dever do Estado vertido em lei - e é obrigatória, não facultativa]

2. A educação não pode ser uma doutrinação contra a sua consciência; [sim, é verdade, a educação não pode ser uma doutrinação e esta disciplina é uma doutrinação porque tem como fim dizer aos alunos qual é o modo de pensar que a sociedade e o Estado consideram correctas e querem que eles tenham e quais são as que proibidas porque incorrectas; no entanto, não viola a consciência dos alunos - quem se sente violado e instruiu os filhos para faltarem às aulas são os pais, o que é uma falha de educação para a cidadania. Se uma ou várias pessoas não concordam com uma disciplina e o seu teor, movam-se nos limites da lei para mudar a sua obrigatoriedade ou o programa; até lá façam o seu papel de pais - estejam a par do que é dado nas aulas e falem com os filhos sobre as vossas objecções. Mandar boicotar as aulas é ensinar a intransigência]

3. O Estado, na questão da educação, é chamado apenas a cooperar com as famílias; [isto não é verdade. A Constituição atribui um papel à educação pública e desde logo a formação dos alunos dentro do quadro dos conhecimentos e valores da nossa sociedade - não é uma mera cooperação como se apenas completasse o que os pais fazem. A educação parental e a escolar são educações diferentes: formar um aluno e educar um filho são tarefas diferentes e nem sempre complementares. Por essa ordem de ideias, quer dizer, se a escola tivesse que seguir as orientações dos pais, teríamos que olhar e ficar calados sempre que os alunos chegassem à escola com uma cultura de racismo ou misoginia, com o pretexto que é a educação que os pais querem dar aos filhos e é esse o seu direito]

4. A liberdade de consciência é inviolável; [mais uma vez, a disciplina, não viola a consciência dos alunos - quem se sente violado são os pais, mas a escola não viola a consciência dos pais. Os alunos/filhos não são uma extensão dos pais nem são sua propriedade. Dito isto, o ME também não é proprietário dos alunos]

5. Ninguém pode ser perseguido ou privado de direitos pelas suas convicções; [nisto da perseguição os pais têm razão, pois o ME, na pessoa do SE, tanto quanto sabemos, mas isso não iliba o ministro ou o primeiro-ministro, tem movido uma perseguição pidesca e intolerante aos alunos, para se vingar dos pais - não há razão nenhuma para que um ME que assina de cruz as passagens de ano de alunos com mais de mil faltas e nenhum rendimento escolar, a cinco, seis ou sete disciplinas, mande que se chumbe bons alunos porque faltam a uma disciplina que o SE acha, muito simploriamente, que vai pôr os portugueses a ser bons cidadãos. Desde logo, esta atitude de perseguição intolerante é contrária ao espírito de cidadania que diz defender.]

6. O ME é hipócrita e farsante porque defende valores de cidadania que viola. [verdade - é completamente farsante e hipócrita, não apenas pelas razões atrás aduzidas, mas também porque enche a boca com a autonomia das escolas, mas as obriga a estar de acordo consigo - portanto, uma farsa e viola a autonomia dos Conselhos de Turma que está na lei. E o argumento do SE onde diz que é a lei e têm que obeceder à lei também não colhe porque ele é o primeiro a não respeitar a lei: todos nos lembramos como no ano da greve de professores violou a lei para anular o direito a greve  dos professores e, só depois de o ter feito, foi emitir decretos legitimando a ilegalidade que fez. Portanto, sim, é uma pessoa intolerante e que esconde a sua intolerância nas leis de sua iniciativa, alguém que 'tem a verdade consigo e nunca se engana' e sem respeito pelos outros]

7. O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas. [não são umas 'quaisquer', mas é verdade que o ME não devia ter uma disciplina de doutrinação de valores e o argumento que geralmente usa dizendo que se fosse assim, quando um aluno não gostasse de matemática ou da teoria de Darwin também faltava às aulas, não é válido, porque aí estamos a falar de conhecimentos amplamente consensuais e não de valores comportamentais. Eu sou a favor da IVG que no meu entender é um direito básicos das mulheres, mas não advogo que a escola ensine os alunos a serem a favor (ou contra) uma questão polémica, baseada em valores. Da mesma maneira, sou a favor do ensino da sexualidade, mas do ponto de vista biológico e psicológico/comportamental, no sentido da compreensão dessa dimensão humana e não da doutrinação sobre o que é normal e o que não é, ou do ponto de vista religioso ou ético, porque não cabe à escola dizer aos alunos o que devem e não devem fazer nesse campo]

8. Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua família.; [a intromissão não é arbitrária. O SE esconde a sua intolerância na lei]

9. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade. [este argumento não faz sentido... as pessoas diferentes, seja em género ou comportamento sexual, também são seres humanos biológicos naturais, com famílias naturais. Não são artificiais. A diversidade de comportamentos e identidades na espécie humana é grande, como aliás acontece em outros mamíferos e primatas (existe desde que o ser humano existe e nunca puseram em causa a sobrevivência da espécie humana porque andam sempre mais ou menos nas mesmas percentagens, o que aliás mostra, essa estabilidade de números, a sua normalidade) e não percebo qual é o sentido de negar a sua existência enquanto seres da natureza. São uma minoria relativamente à norma, mas existem na natureza, logo, são naturais. São seres humanos, não são monstros] 

10.  O direito à objecção de consciência; [este, quanto a mim, é o único argumento válido que deve ser levado em conta nesta questão e se o levassem em conta não andavam a perseguir a família e os rapazes - os pais, sendo parte fundamental da educação dos filhos podem alegar objecção de consciência, por motivos religiosos ou éticos quanto à frequência de uma disciplina que em seu entender os viola - tal como as pessoas com comportamentos sexuais diferentes existem, mas são uma minoria, as pessoas que são objectoras de consciência e levam muito a sério os seus valores religiosos e éticos, também existem. Também são uma minoria e também devem ser respeitadas, sob pena de defendermos que a minoria dos LGBT deve ser respeitada, mas depois não respeitarmos a minoria de pessoas que têm fortes objeccções de consciência e a exercem, dentro da lei. A lei dá-lhes esse direito e o SE não devia violar os direitos dos alunos nesse aspecto, como se os alunos fossem sua propriedade privada que ele molda às suas convicções pessoais. O Conselho de Turma dos alunos aceitou e respeitou esse direito. Os pais podem educar convicções valorativas e éticas religiosas, mesmo que esse dogmatismo nos choque, mas o Estado não pode ser dogmático no ensino de convições valorativas que não estão obrigadas por lei. Nenhuma lei existe a obrigar as pessoas a aceitarem a normalidade e naturalidade das pessoas sexualmente divergentes da maioria e por isso, nenhuma disciplina pode obrigar alunos a estarem de acordo com essas convicções só porque o SE quer aparecer publicamente com uma imagem de educador das massas. Que o SE não tenha o bom sendo de perceber isto e de aceitar a objecção de consciência dos pais, mostra o seu próprio dogmatismo e intolerância - basta pensar o seguinte cenário: se amanhã chegar ao governo um partido ou coligação de direita que mude o programa da disciplina, de acordo com as suas convicções subjectivas e passe a ensinar que os comportamentos e escolhas sexuais divergentes não são naturais e são anormais e devem ser evitados -o que pode muito bem acontecer porque é o que essas pessoas defendem- se calhar o SE já percebia a legitimidade de haver pais a exercer o direito à objecção de consciência. A questão está em haver bom senso e não se partir do princípio que só 'as nossas' objecções de consciência é que são legitimas e correctas e as dos outros, não]

O que ambos os adolescentes vêem quando olham para os pais e para a escola (ME, porque eles dão-se bem com os professores) é, dogmatismo e intolerância, mesmo que não sejam conscientes de estarem a aprender esses valores por estes dois educadores em guerra. 
O ME devia abandonar a guerra. O seu espírito raivoso e intolerante já é indisfarçável e se agora os alunos fossem obrigados, à força, a frequentarem a disciplina, isso apareceria como uma humilhação de vingança sem nenhum mérito - como aqueles pais que obrigam os filhos que não querem comer um prato a ficar dia e noite em frente do prato até comerem. Quando finalmente comem, por os pais serem totalmente intolerantes, a comida não está já boa e o exercício foi de humilhação e não de pedagogia, logo sem respeito pela dignidade dos filhos, neste caso, alunos. Qualquer pessoa com bom senso vê isto.


Carrascos, mordomos e farsantes


José Ribeiro e Castro

(excerto)
Gostava de saber. Num caso em que os pais rejeitassem ter os filhos sujeitos a doutrinações contrárias à sua consciência, gostava de saber se, em toda a Monarquia Constitucional, na I República, na Ditadura Nacional, no Estado Novo, nalgum governo a seguir ao 25 de Abril, incluindo os revolucionários e os constitucionais, algum ministro ou secretário de Estado se transbordou de autoritarismo ou algum reitor ou director escolar se armou de carrasco ou mordomo para perseguirem e discriminarem essa família, indo ao extremo de reprovarem consecutivamente as crianças até as fazer vergar a cerviz e morder o pó. Gostava de saber se alguma vez aconteceu para conhecer os nomes desses monstros, saber a história desses perseguidores e deles poder traçar a linhagem até aos actuais ministro Tiago Brandão Rodrigues, secretário de Estado João Costa e director Carlos Teixeira, do Agrupamento de Escolas Camilo Castelo Branco, em Vila Nova de Famalicão.

Em que mundo e em que tempo vivemos? Vamos ver.

Os pais têm o direito e o dever de educação dos filhos. Incumbe ao Estado, para protecção da família, cooperar com os pais na educação dos filhos. Os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação. A liberdade de consciência é inviolável. Ninguém pode ser perseguido [ou] privado de direitos por causa das suas convicções. É garantido o direito à objecção de consciência, nos termos da lei. O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas. Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias. Todas estas normas estão na Constituição.

Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua família. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade. Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento [e] de consciência. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos. Estas proclamações estão na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Pode ler estes textos a partir das ligações que o Ministério da Educação exibe no portal de Documentos de referência da Educação para a Cidadania, enquanto os atropela e viola com total despudor e impunidade. É o reino hipócrita dos farsantes. Por isso faz corar e indigna conhecer a Convenção sobre os Direitos da Criança a partir do mesmo portal: nenhuma criança pode ser sujeita a intromissões arbitrárias ou ilegais na sua família. A criança tem direito à protecção da lei contra tais intromissões ou ofensas. A responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento cabe primacialmente aos pais. Os Estados asseguram assistência adequada aos pais no exercício da responsabilidade que lhes cabe de educar a criança. Os Estados tomam as medidas adequadas para velar por que a disciplina escolar seja assegurada de forma compatível com a dignidade humana da criança.

Num Estado de direito, bastaria isto. Pintem a cara de preto.

2 comments:

  1. Bom, eu digo já que a Educação para a Cidadania é uma chachada! Apesar de haver um programa, toda a gente sabe que cada prof toca o que sabe quando tem de a dar. Eu, pessoalmente, sou contra esta disciplina.
    Contudo, acho que os pais estão a expor os miúdos a uma guerra totalmente desnecessária. Se fosse eu, deixava-os ir e fazer o menos possível!Mas explicava-lhes porquê!

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  2. Pois, é uma chachada... tu e eu e todos que trabalham nas escolas sabem disso... e os temas do programa da disciplina são falado em outras disciplinas e contextualizado por professores que estão dentro dos assuntos, mas este SE é um dogmático. É claro que isto começou por ser uma falta de bom senso dos pais que são outros dogmáticos. Simplórios, um e outros.

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