May 21, 2021

Saíram os rankings das escolas e, como de costume, os jornais enchem-se de opiniões que dizem tudo e o seu contrário ao mesmo tempo

 


Falo de educação, assim publicamente, desde 2008, no blog. Ultimamente falo menos, em parte por causa da doença que me desviou a atenção para outros assuntos, mas em grande parte, porque deixei de acreditar que vale a pena falar. De 2008 para cá a situação tem piorado, com cada equipa ministerial, em todos os aspectos da vida escolar, com excepção da renovação do parque escolar - obras nas escolas. Apesar de haver blogs, com muitos anos de posts diários sobre os assuntos, nada melhora. Alguns tornaram-se uma voz de crítica institucionalizada no jornal. É melhor que nada? Talvez. Não sei. A voz dos professores não tem nenhum peso nas decisões que são tomadas por pessoas ignorantes dos problemas e superficiais nos juízos.

Os jornais reflectem essa realidade. Como se vê hoje, entendem a educação, ou melhor, o sucesso na educação, como uma receita para a qual só é preciso encontrar os ingrediente certos. É assim que vemos títulos e artigos como estes, todos no mesmo jornal:


aqui os ingredientes da receita do sucesso são: salas multimédia, piscina, motivação e liderança.
Aqui têm um segredo, como o ingrediente secreto dos pastéis de nata: a vontade de fazer as coisas bem e de ter as pessoas certas - dá logo a entender que nas escolas sem sucesso, os que lá trabalham, não querem fazer as coisas bem e estão rodeados das pessoas erradas, ou seja, os professores não prestam e não querem saber de fazer as coisas bem.
Aqui é igual: os que lá trabalham (as pessoas certas) tratam cada um como pessoa - portanto, subentende-se que nas outras escolas os professores não vêem os alunos como pessoas.
Conclusão: as escolas têm que recrutar as pessoas certas.

Há aqui um conjunto de artigos ao gosto deste secretário de Estado que querem implantar a ideia de que o problemas são os professores.

Na página a seguir o título é: há quem aprenda apesar da escola, isto é, dos professores...

É sabido que este senhor, na sequência dos anteriores mas com um requinte ainda mais afinado, tem a ideia de que os males das escolas são os professores e que o remédio é o controlo apertado dos professores.

Esta ideia de recrutar as pessoas certas -como se os que existem fossem errados-, em 1º lugar desresponsabiliza-o do facto de ter criado (juntamente com a ex-SE Leitão que foi premiada pelo Centeno com um ministério próprio) um organismo sem oxigénio, onde tudo o que é feito, é-o com o objectivo de melhorar a sua auto-imagem nos relatórios e o seu controlo sobre todos. Em 2º lugar dá-lhe o pretexto para só ter nas escolas professores com o perfil de submissão que ele requer.

Hoje em dia um professor tem que deixar em relatório tudo o que faz, o que pensa, quando, onde, com quem... ele tem espalhados pelas escolas os seus controladores que não falham nos castigos e benesses ao modo feudal. E é implacável, como vimos no processo daqueles alunos no caso da disciplina de cidadania.

O estereótipo dos maus professores está tão incrustado no discurso dos dirigentes que cega-os completamente.


Depois, quando lemos as páginas que se dedicam, não às opiniões de pessoas que não sabem do que falam, mas dos dados, vemos coisas diferentes como estas- os alunos que se afundam, como dizem, são os carenciados. 

Entre parêntesis - O título da página seguinte também revela ignorância. Os alunos com as notas mais baixas não são atraídos para as humanidades. O que acontece é que os cursos mais apetecidos são os de ciências e, como tal, escolhem os de melhores notas, nomeadamente na disciplina de matemática que é específica desses cursos, de modo que os outros não têm entrada aí e acabam nas humanidades, que não têm matemática.

Mas que significa esta expressão, 'alunos carenciados'?

Significa: alunos com um vocabulário pobre, próprio de famílias com poucos estudos; um vocabulário pobre quer dizer, uma capacidade conceptual também pobre; muitas vezes com falhas na escolaridade básica que não são detectadas pelas famílias, elas próprias, muitas vezes, com essas mesmas falhas; significa falta de livros e de leituras, falta de computador, falta de dinheiro para fazer umas férias, ver sítios diferentes, para contratar um explicador em caso de necessidade, falta de perspectivas, de privacidade. Etc. 

Estes alunos com este contexto não frequentam colégios privados. Frequentam escolas públicas com turmas excessivamente grandes, com professores sobrecarregados de turmas e de trabalho burocrático, mal pagos, às vezes a morar a 200 kms. Não admira que os colégios tenham cada vez mais distanciamento das escolas públicas, uma vez que aos poucos e poucos, os alunos de outros contextos, foram saindo das escolas públicas à medida que estas se proletarizavam. Há escolas inteiras onde dois terços dos alunos são do escalão A do apoio social escolar, o que quer dizer que as famílias não ganham o mínimo, sequer, estão ao nível da sobrevivência. Há outras que são de zonas melhores.

Isto não tem nada que ver com ter os professores certos. Até pode haver um professor, algures que esteja tão motivado num ano que faça um milagre. (Como aconteceu naquela escola da Madeira. Foi logo posto a andar porque o senhor SE não quer professores eficientes. Quando ele fala em 'pessoas certas' está a referir-se a submissos, controlados à maneira dele.)

Mas isso é um de vez em quando porque nós professores não somos anjos que fazem milagres ou pasteleiros que fazem o pastel de nata se encontrarem o ingrediente secreto.

As famílias em Portugal são pobres num número que ronda os 20%. Depois há os que estão num emprego seguro mas mesmo assim estão na pobreza. 

Isto não tem que ver com professores certos ou ingredientes secretos. Já agora, se querem atrair pessoas de qualidade à profissão, paguem decentemente e a horas (este mês faz um ano que mudei de escalão. Continuo no antigo, ainda não fui actualizada - calculo, que segundo o SE devo ser um dos professores errados porque se fosse um dos 'certos' estava humildemente agradecida e sem me queixar) O que é preciso é melhorar a vida das famílias, para que possam ter acesso a bens culturais e não estejam consumidos com a sobrevivência do dia-a-dia e condições de trabalho e não falo só das físicas, mas do clima de escola que é feudal. O clima e a cultura de escola são muito importantes. Este SE incutiu um clima e cultura de escola de desresponsabilização e ausência de investimento/trabalho do indivíduo na sua própria formação, no seu próprio sucesso. Em termos filosóficos e formativos, o que ele tem feito é uma catástrofe.

E mesmo melhorando a vida das famílias, depois leva tempo. Tudo na educação requer tempo. Ora, o tempo tem sido gasto com reformas que reforçam erros sobre erros. Não tenho esperança nenhuma a não ser nos alunos individualmente porque há sempre pessoas e famílias que conseguem superar as dificuldades e percebem o que tem de ser feito.

Em suma: é indiferente falar ou não falar. O país, na sequência de uma boa parte da Europa está numa senda de decadência do ensino - de entender o ensino como uma certificação e uma espécie de escola de boas maneiras (e já chegou às faculdades) e nada do que se diga tem influência nas políticas educativas. Nada. Este longo post que escrevi não serve para nada a não ser para me destressar. Bem, e para cumprir um dever de consciência, porque estar calado é ser cúmplice. Nada de nada. Nada muda. As pessoas que decidem são as mesmas portanto será sempre mais do mesmo.


2 comments:

  1. Mas, pelo menos não ficaste calada! Nós, que andamos nisto há 30 ou 40 anos, sabemos bem como as coisas se passam. Eles chegam ao poder para ganhar dinheiro, prestígio e influência. Estão-se a marimbar para os alunos. E quanto pior estiver o ensino público, melhor para o privado.
    Eu, que sempre estudei em escolas públicas, já dou por mim a pensar se,quando tiver netos, não será melhor eles irem para um bom colégio...e não é pelos professores, é pela frequência....

    ReplyDelete
  2. ... mas uma democracia saudável precisa de uma boa escola pública

    Falar, falo. Há até quem me acuse de falar demais, de ser muito crítica, das críticas serem 'agressivas', o que interpreto como, não fofinhas e educadinhas, no canteirinho designado...

    Isto é tudo tão triste. em não sei quantos milhares de anos de sociedades tivemos democracia uns poucos anos na Grécia -com os defeitos da época- e agora no século XX. Entrámos no XXI e já as coisas se desmoronam e vê-se logo nas escolas.

    ReplyDelete