Hoje cheguei e fui direita ao mercado. À porta estava um homem sentado no chão a tocar acordeão, com um cão minúsculo ao lado e a caixa do acordeão aberta, em frente dele, com algumas moedas. Dou sempre dinheiro a acordeonistas. Adoro o som do acordeão e ainda estou para ver um destes acordeonistas de rua tocar mal. Quando me aproximei estava a tocar o refrão da, 'Lisboa Antiga', Olhai, senhores, esta Lisboa d'outras eras/Dos cinco reis, das esperas.... gosto tanto deste fado... há tanta nostalgia nele... Pus na caixa do acordeão todas as moedas grandes que trazia no porta-moedas. O homem, à laia de agradecimento pôs-se a tocar aquele fado da Amália, 'Ai Maria, que bonita é a Maria'. Teve espírito. Se os piropos fossem todos assim não eram precisas leis de piropos. Enfim, à saída o homem viu-me e pôs-se a tocar o fado, 'Não é desgraça ser pobre'. Tocou com um garbo que me tocou.
Hoje estou numa de fado. Quem me pôs neste espírito foi o acordeonista à porta do mercado. Cheguei a casa e pus-me a ouvir a Amália e o Marceneiro. A Amália era mesmo uma fadista. Um timbre de voz lindo. Tinha o tom certo, o sentimento, a voz. O Marceneiro a mesma coisa. Não tinham os exageros que muitos fazem para parecerem fadistas, não sendo. Cantavam com muita inteligência. A Amália põe tanto sentimento na voz, que às vezes parece que desmaia, outras que chora, outras que vinga, outras que bate, outras que voa, outras que aceita que tudo é fado. Havia nela mil vozes diferentes e, no entanto, não se confunde com ninguém e em todas as vozes é ela mesma. Fazem-me sentir portuguesa.
este vídeo começa com Lisboa Antiga (só ouvi esse)
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