Esta adulteração dos textos para evitar ferir sentimento deste ou daquele está a atingir níveis preocupantes que se ligam com a crise das Humanidades e e degradação geral da educação literária, filosófica e crítica.
Uma tradução do Inferno de Dante, sem a referência a Maomé, está a causar controvérsia
Esta versão do texto, em holandês, foi concebida para "não magoar desnecessariamente" [os muçulmanos] O estilo foi adaptado para ser mais acessível, especialmente aos jovens, e foram feitos alguns cortes.
Le Figaro
Um dos convidados foi Lies Lavrijsen, a tradutora de De Hel, a nova edição holandesa do texto de Dante publicada pela Blossom Books. O texto do século XIV foi traduzido "como se Dante fosse um slameur* dos séculos XIII e XIV".
"De todos os pecadores do Inferno, ele é quem é descrito de forma mais atroz e insultuosa", explicou o tradutor à Rádio 1. O objectivo da editora era tornar o Inferno acessível a um público tão vasto quanto possível, especialmente ao público jovem e sabíamos que se deixássemos esta passagem como estava teríamos ferido desnecessariamente uma grande parte dos leitores". A passagem foi mantida, mas o nome de Muhammad foi retirado. O tradutor acrescenta que a decisão de retirar a passagem foi tomada em consulta com a editora, num contexto de tensão após o assassinato de Samuel Paty.
Mas a decisão foi criticada tanto pelos ouvintes do programa como por aqueles que reagiram nos dias seguintes, observou De Standaard. "Muitos consideram-na uma intervenção degradante tanto para os muçulmanos como para os jovens leitores, que se supõe não serem como crianças incapazes de contextualizar um livro do século XIV", escreve o diário belga De Standaard.
Este gesto equivale a "submeter-se para evitar problemas que provavelmente nem teriam surgido", diz o escritor Abdelkader Benali. O escritor marroquino e holandês diz ter estudado traduções modernas do texto para o árabe. Como resultado, os tradutores mantiveram a passagem tal como está, "muitas vezes com notas de rodapé a explicar que é um autor literário e uma cena que deve ser colocada no seu tempo e contexto político.
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*o slam é uma maneira de dizer poesia muito livre, com um ritmo de batida, um pouco como o rap americano, de modo que o slameur é um espécie de rapper da poesia. Quem começou com esta maneira de dizer poesia foi o Johnny Halliday (acho). Hoje em dia há campeonatos que reunem poetas da França inteira num Grand Slam National. Não sei se o termo tem tradução em português.
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