O tratamento de imunoterapia, pelo menos em casos de melanoma, deixam certos tipos de linfócitos no sangue [os que combatem o tumor] até nove anos após o tratamento. O artigo chama-lhe 'soldados' que o tratamento deixa lá de prevenção. Na verdade , o tratamento, se tudo corre bem, 'treina' certas células para se reconverterem em combatentes do tumor e, se tudo corre ainda melhor, essas células permanecem muito depois do tratamento ter acabado. Os tratamentos têm uma taxa elevada de toxicidade e uma pessoa não pode fazê-los mais que um certo tempo com uma certa dose. Embora, em outros casos como o do cancro no fígado, o tratamento tenha feito aumentar o tumor. O artigo não fala no cancro do pulmão que é um dos que beneficia deste tratamento de imunoterapia e que fiz, durante um ano, de 15 em 15 dias.
Na semana passada fui saber o resultado de TACs de controlo da evolução da doença. Nesses dias, acho que estou calma e exteriormente sei que aparento estar calma, mas o meu corpo tem uma memória C (inventada por mim), um sub-campo do hipocampo que eu penso que existe e arquivou tudo o que tem que ver com a doença, desde o diagnóstico aos tratamentos todos, aos exames médicos e sequelas. Está lá tudo gravado nas células neuronais e assim que o hipocampo é informado que vêm aí notícias frescas relativas à doença manda tudo para o campo C, assim como quem diz, 'lidem vocês com isso que tenho mais que fazer. Tenho coisas para ler.' O campo C vai lá aos arquivos e começa a sacar os templates dos cenários de sofrimento das cenas todas por que passei numa de antecipar. E é assim que eu penso que estou calma, mas o corpo liberta grandes descargas de cortisol, sem me pedir opinião, à medida que o dia se aproxima, de maneira que no dia em que lá vou tudo me aparece: dores, manchas na pele, problemas de estômago, coração acelerado...
A minha médica diz que o meu tratamento de imunoterapia foi um sucesso, que há pessoas que respondem mal e têm problemas secundários muito complicados, mas que eu respondi bem. Ok, a questão é que ainda não parei de ter problemas secundários... todas as semanas são de ir a um hospital. Mas pronto, enquanto forem pequenos problemas e o grande não piorar, antes isso.
Enterrei as memórias da vida AC (antes do cancro) - como subia escadas sempre em corrida sem me cansar, como passei 25 anos sem meter os pés num hospital, como nunca estava doente, a não ser umas constipações. Não sabia o que era febre. Não conhecia medicamentos. Não sabia o que era um cateter. Era uma completa ignorante de tudo quanto tinha que ver com medicina. Saudades dessa ignorância. Enfim, não visito esse arquivo. É um arquivo morto. Não vale a pena ficar deprimida que não serve de nada.
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