Anda aí um juiz que se queixa de ser obrigado a usar máscara e adoptar medidas de distanciamento e isolamento, mas li que ele quis obrigar um procurador e um funcionário, em plena sessão, portanto dentro de um espaço fechado, com pessoas, a estarem sem máscara. Como as pessoas em causa não tiraram a máscara suspendeu o julgamento, talvez prejudicando a pessoa queixosa. Isso passou para segundo lugar face ao despautério de não ser obedecido. Portanto, ele não tem que obedecer mas tem que ser obedecido.
Costuma-se dizer que com grandes poderes vêm grandes responsabilidades, o que é verdade, pois grande poder nas mãos de irresponsáveis fazem males muito grandes. Uma das responsabilidades dos grandes poderes, como é o caso, pois o juiz representa um orgão de soberania, é o comedimento para não serem Otelos que extravazam os seus poderes e causam dano a outros.
Outra questão é perguntarmo-nos se um juiz, por ser representante de um orgão de soberania, é intocável. Não, não é, nem deve ser, pois nesse caso, estaria acima da acima da Lei.
Outra questão também é sabermos até que ponto nos podemos dar ao luxo de ter juízes sem bom senso. Uso aqui o termo bom senso no sentido cartesiano de razão, capacidade racional, de elaborar raciocínios, de pensar. Claramente este juiz é parco nessa qualidade essencial, sobretudo a alguém com tanto poder.
Vejamos o assunto objectivamente. O juiz acredita que a máscara, o distanciamento e o isolamento não são necessários e que a Lei não nos pode obrigar a eles. Não sabemos se é dos que acredita que a pandemia, com milhares de mortos, apesar do esforço conjugado dos países com mais recursos e cientistas, é uma conspiração internacional ou apenas uma estupidez que só ele vê. Não interessa. O que interessa é a seguinte consideração racional:
Temos duas hipóteses lógicas,
a) o uso de máscara, o distanciamento e o isolamento não são necessários para salvar vidas (não ponho a hipótese de ele pensar que devemos deixar as pessoas morrer de qualquer maneira pois isso seria outro assunto. Estou a assumir que ele tem boas intenções);
b) o uso de máscara, o distanciamento e o isolamento são necessários para salvar vidas;
Se o uso de máscara, o distanciamento e o isolamento são necessários para salvar vidas, não os respeitar é contribuir para a perda de vidas. Portanto, devemos respeitá-los.
Se o uso de máscara, o distanciamento e o isolamento não são necessários para salvar vidas, respeitá-los não contribui para a perda de vidas. É apenas indiferente.
Ora, o que se concluiu é: a regra de prudência, se queremos não contribuir para a perda de vidas é respeitar uso de máscara, o distanciamento e o isolamento, mesmo que seja um excesso de cuidado, pois é melhor, quando se trata de vidas, pecar por excesso de cuidado do que por desleixo, pois este último pode matar. Ora, não queremos matar e, a Lei impõe-nos o dever de ter cuidado, sempre que de nós possa depender a vida do outro.
É assim que somos vacinados contra o tétano, apesar de a maioria das pessoas nunca apanhar tétano ao longo da vida, mesmo sem a vacina. É que as consequências de o apanhar são tão graves que mais vale o excesso de cuidado que o desleixo. Ora, o tétano nem sequer é uma doença contagiosa como a Covid-19.
Por conseguinte, a regra de prudência obriga-nos a ser cautelosos e a usar máscara, a ter distanciamento e isolamento mesmo que não acreditemos na ciência. Isto não tem que ver com liberdade mas com um mínimo de bom senso.
Então, um juiz que, não só não se incomoda de correr o risco de infectar outros (porque ele é livre de se infectar a ele mesmo, em minha opinião, desde que depois não se chegue ao pé de outros para não infectá-los e ainda que vá para último lugar da fila dos que esperam tratamento hospitalar) como quer obrigar terceiros a terem o mesmo comportamento de falta de prudência, é uma pessoa de fracas qualidades racionais (porque não consegue fazer este raciocínio básico de prudência) e/ou morais (no caso de o ter feito mas não querer saber de infectar outros).
Em qualquer dos casos é lastimável e eu não quereria ser julgada por esse juiz.
No comments:
Post a Comment