February 18, 2021

The Nude - Vénus



Platão, no diálogo Simposium ou Banquete, põe um dos convivas a afirmar que havia duas Afrodites, a celestial e a vulgar. Talvez por ir ao encontro de emoções humanas enraízadas, esta alusão, feita de passagem, nunca foi esquecida. Tornou-se um axioma da filosofia medieval e renascentista. É a justificação para as representações de mulheres nuas.

Desde sempre que o desejo físico obsessivo encontrou alívio em imagens e dar a essas imagens a forma pela qual Vénus deixa de ser vulgar e se torna celestial tornou-se um dos objectivos recorrentes da arte europeia - simetria, medida e o princípio da subordinação foram os meios empregues.

A subordinação é definida como minimização ou atenuação de outros elementos de composição a fim de chamar a atenção para o ponto focal. O ponto focal refere-se a uma área na composição que tem o maior significado, uma área para a qual o artista quer chamar a atenção como o aspecto mais importante.

Mas talvez esta purificação de Vénus não tivesse acontecido se não fosse uma certa noção abstracta presente na cultura do Mediterrâneo que distingue a Afrodite vegetal da cristalina. E estas duas concepções diferentes foram-se distinguindo aos poucos, na arte. 

A Vénus de  Boticcelli que nasce do mar cristalino do pensamento e da eternidade é muito diferente da Vénus de abundância vegetal de Rubens. Platão fez destas duas deusas, mãe e filha; os filósofos renascentistas, reconheceram-nas como gémeas.



Vénus de Boticcelli (pormenor)

                                                                                                                            Vénus de Rubens - (pormenor)

Desde o século XVII que o nu feminino se tornou muito mais normal que o masculino mas nem sempre foi assim.

Na Grécia Antiga, mesmo já no século V AEC era muito raro uma mulher ser representada nua porque ofendia princípios religiosos e sociais. Os homens andavam nus nos ginásios e nas provas desportivas e mesmo vestidos, as suas túnicas eram muito curtas e pouco escondiam; mas as mulheres andavam sempre cobertas da cabeça aos pés.

Esparta era a única excepção e as suas mulheres, que se apresentavam nuas ou pouco vestidas como os homens, eram um escândalo no resto da Grécia.

A Afrodite nua era um conceito do médio oriente e a primeira figura que aparece nua era muito diferente da Afrodite clássica: tinha linhas direitas e não curvas.

Esta estatueta, que está em Munique, é o cabo de um espelho.

A sua nudez e os animais que a rodeiam trazem à mente imagens da Senhora dos Animais, uma antiga divindade do Próximo Oriente que contribuiu com características para duas deusas olímpicas, Afrodite e Artemis. Como um cabo espelhado, a figura pode simplesmente evocar os poderes de Afrodite, deusa do amor e da beleza.
Até ao séc. IV AEC a Afrodite nua era associada aos cultos do Oriente e não por acaso, Phryne, a modelo de Praxiteles, tornou-se objecto da reprovação clerical.

Sabemos que existiu, no século V AEC, uma  figura em bronze de uma rapariga nua a prender o cabelo, provavelmente representando uma sacerdotisa de Isis, que deve ter sido uma obra-prima. Existem duas cópias dessa estátua, conhecidas como a Vénus de Esquilino, a mais completa em Roma, a mais vívida no Louvre, que é essa a seguir.


Está ainda longe das Afrodites clássicas - é pequena e muito quadrada, a cintura pouco vincada, os seis pequenos, os tornozelos grossos. No entanto, é perfeitamente proporcionada e as suas proporções foram calculadas com uma escala matemática. 
A unidade de medida é a sua cabeça. Tem a altura de sete cabeças; há uma cabeça de distância entre os dois seios e uma cabeça entre os seios e o umbigo e mais uma outra cabeça até ao sítio da junção das pernas. 



E esta é, basicamente, a medida da arquitectura de construção do corpo feminino que há-de ser seguida até ao século XIX, pese embora uns lhe encham o peito, ou alarguem as ancas ou as façam com tornozelos mais finos, etc.
 
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do livro, The Nude, de Kenneth Clark

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