February 12, 2021

Neste dia nasceu Darwin II

 


Poucos autores tiveram uma influencia tão decisiva na história da aventura humana como Darwin.

O evolucionismo de Darwin é o exemplo acabado da teoria que se torna tão paradigmática que acaba por penetrar em todos os aspetos da vida humana: da Biologia à Psicologia, da Economia à Arquitetura, da Pedagogia ao Design. Nesse alastrar da sua influência tem tido efeitos perversos, sendo os maiores, o da Economia e da Sociedade. A ideia de que as sociedades humanas e a vida económica obedecem a um padrão evolucionista de auto-regulação pela competição e luta onde sobrevivem e são premiados os mais fortes tem tido consequências trágicas na crise em que estamos, não só económica mas social também - a educação para a competição com sacrifício da colaboração, da entreajuda, do esforço comum.

Mas, é disto que falava Kuhn quando se referia ao poder de um paradigma científico agregar toda a pesquisa, todas as explicações, todo o sentido de todo o jogo da ciência. Até na nossa linguagem quotidiana já temos dificuldade em explicar algo sem primeiro contextualizar: nenhuma área da vida humana parece escapar aos princípios do evolucionismo.

Poucos indivíduos conseguiram a proeza, na História, de se tornarem imperadores do sentido...Darwin foi um deles. No entanto, as ideias evolucionistas de Darwin não surgiram do nada... A História está cheia de exemplos de ideias inspirarem ideias e os pensadores são sempre devedores, em alguma parte, a outros pensadores. 

Demócrito, um filósofo pré-socrático do séc. IV a.C. é um desses casos. Muitos lhe devem e todos lhe devemos. Demócrito era um atomista (juntamente com Leucipo desenvolveu uma teoria segundo a qual o Universo seria constituído por átomos) materialista; a sua teoria influenciou Epicuro que a levou um pouco mais longe defendendo uma ética de vida baseada na procura da felicidade e do bem-estar moderados, condizente com o materialismo do Cosmos. Epicuro nasce cerca de 30 anos depois da morte de Demócrito.

Uns centos de anos depois, no século I d.C., um romano, Lucrécio de seu nome, escreveu um longo poema épico, De rerum natura [Da Natureza das Coisas] para divulgar o pensamento de Epicuro. 
Nesse poema defende o atomismo e o materialismo do Universo, entre outras pré-visões da ciência moderna, fala da natureza material de tudo quanto existe, do como somos parentes dos outros animais e das estrelas, porque tudo é uma agregação temporária de átomos que por um tempo estão juntos e depois se separam e vão constituir outras coisas e de como devemos viver a vida de acordo com esta ideia em vez de nos culparmos e atormentarmos com a ideia da morte e do castigo que se lhe segue que ele diz ser uma história da religião para assustar crianças para que se tornem homens assustados.

Essa obra de Lucrécio perdida durante mais de 500 anos foi descoberta no Renascimento por Poggio, um caçador de livros. Foi descobrir a única cópia que sobrou da destruição do De Rerum Natura pelos religiosos, num mosteiro perdido da Alemanha e deu origem a uma revisitação do pensamento Epicurista e pré-socrático que veio a influenciar muito a ciência moderna. 

Todos na época leram Lucrécio: Giordano Bruno, Machiavelli, John Locke, Isaac Newton, Robert Boyle, Montaigne... Benjamim Franklin tinha uma cópia e Thomas Jefferson tinha cinco edições da obra, em Latim, Inglês, Italiano e Francês.

Calha que Darwin leu Lucrécio, Demócrito e Anaximandro (séc. VI a.C.) - este último, um pré-socrático que tem o primeiro esboço de que há memória de uma teoria proto-evolucionista... - isto aconteceu numa altura em que era comum respeitar-se e ler-se os pensadores antigos, tendo-se consciência que as ideias não vêm do nada e que os grandes pensadores são mananciais de inspiração.

A propósito: a história da descoberta do De Rerum Natura por Poggio e da sua influência nos acontecimentos do mundo está muito bem contada por um professor de Harvard, Stephan Greenblatt, no livro, The Swerve: How the World Became Modern.  

Enfim, lembrei-me deste livro de Lucrécio tão determinante na história da evolução a propósito do aniversário de Darwin.

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