February 19, 2021

Memórias

 


Li algures que as únicas células neuronais que permanecem sempre as mesmas são as do hipocampo e do córtex entorrinal que fica ali mesmo ao lado - os lugares da memória. Será por isso que as memórias não desaparecem? Apenas estão adormecidas, mas certos estímulos, como a música, ou os cheiros, por exemplo (o córtex olfactivo também está ali) desencadeiam as recordações arquivadas na memória de longo prazo.

De repente ouvi esta música que já não ouvia há muito tempo e fui transportada para os 13 anos. Um dia de Primavera já a cair no Verão, em Évora. Sair do liceu e ir com um amigo recente, muito mais velho que eu, com 19 anos, que um dia começou a falar comigo, não sei porquê, para fazermos de pau de cabeleira da minha irmã que queria ir para as piscinas com um rapaz e queria companhia. 

Ele fazia-me lembrar o Neil Young, não propriamente no aspecto, embora tivesse aquele ar dessa década de cabelos compridos, mas na atitude, sempre de uma enorme delicadeza de coração. Nessa altura andava viciada nesta música e associo-a sempre a ele e a esses meses em que o conheci. Vinha ter comigo à porta do Liceu, de vez em quando e perguntava-me se podia falar comigo. Contava-me coisas da vida dele. Pedia-me opinião.

Lembro-me de estar imenso calor e irmos a andar devagar e ele a contar-me uma história complicada com a namorada de quem se tinha separado e me pedir conselhos sobre o que fazer e eu não fazer a mínima ideia do que havia de dizer mas não querer parecer que era uma miúda e fazer um grande esforço para perceber a situação e dizer qualquer coisa de útil. Lembro de ficarmos a falar, nesse dia, até já depois da meia-noite. Isto terá sido umas duas semanas antes de uma noite, em que estava na tuna e alguém me vir dizer que ele estava à porta e queria falar comigo e eu não ir, porque estava com outras pessoas e no dia a seguir saber que ele se tinha suicidado. Ainda carrego essa culpa de não ter ido falar com ele nessa noite. Não que eu tenha tido alguma coisa a ver com o que ele fez, mas ele confiava em mim, não sei porquê. Porque estava desorientado, sei lá... eu era uma miúda.

Parece que o estou a ver. Muito magro, alto, com o cabelo comprido, muito escuro e um bocado desgrenhado. De calças de ganga meio desleixadas, um ar muito gentil, um bocadinho triste. Algumas pessoas entram na nossa vida fugazmente mas deixam uma marca indelével.

Tenho mixed feelings com esta música. Gosto muito dela mas deixa-me um bocado triste.






No comments:

Post a Comment