January 12, 2021

Um artigo que vale a pena ler acerca do caso do procurador - 'o abraço do urso'



É claro que tudo considerado, isto pode ter sido menos um caso de querer controlar o cargo e mais um caso de cunha para pagar favores, pois vendo bem, o cargo tem um salário e uma posição invejáveis e como sabemos, neste país raramente alguém é promovido por mérito. Há sempre um primo que grita de boca aberta qual passarinho no ninho a pedir preferência. E ao que sabemos este procurador, antes de o ser já o era, quer dizer, já estava combinadinha a sua promoção. Portanto, se calhar é apenas mais um caso de primismo, só que correu mal porque não é um processo interno e deu nas vistas.



Procurador Europeu – o abraço do urso

Rui Cardoso

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Na sequência do caso do procurador português para a Europa, o procurador e ex-presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público Rui Cardoso defende que “todos os partidos – e foram todos – que nesta polémica acesamente invocaram a necessidade de preservar a independência da Procuradoria Europeia e dos seus procuradores têm agora o dever, se querem evitar a repetição do sucedido, de diligenciar por alterar a lei”

Aquilo que se vem passando e conhecendo desde julho confirmou – e até agravou – o que inicialmente se suspeitava: o governo português vê a nomeação do Procurador Europeu (PE) português como uma escolha sua, de acordo com a apreciação que fez dos candidatos com critérios que são seus e que, por isso e necessariamente, são de natureza política.

Como os membros do governo não podem deixar de conhecer o Regulamento da UE que institui a Procuradoria Europeia (PRE) – Regulamento 2017/1939 do Conselho –, a justificação que apresentaram com a “especial consideração” pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) revela apenas a pouca consideração que têm pelo conhecimento e inteligência dos portugueses. E ainda menos pelo Conselho Superior da Magistratura e pelos juízes candidatos, assim diariamente expostos como meros figurantes nesta farsa.

Nos termos desse Regulamento – e até da Lei 112/2019, que em Portugal o transpôs –, é indiscutível que a nomeação de todos e qualquer um PE cabe apenas ao Conselho da UE. Não ao Governo de cada Estado-Membro (EM), não a qualquer órgão interno do EM.

A escolha do PE de cada EM é matéria do interesse de todos os EM e não apenas dos respectivos EM de onde provêm. A PRE deverá actuar no interesse da União no seu conjunto, não nos interesses de cada EM. Deve ser plenamente independente, nomeadamente face aos EM e às instituições, órgãos e organismos da UE. Deve ainda ser independente, em não menor medida, do Ministério Público de cada um dos EM.

A PE administrará a justiça em nome do povo da UE, não em nome da UE, não em nome do Governo de Portugal. A nomeação do PE de Portugal não é uma nomeação política e nela o Governo deveria ter assegurado com o mais rigoroso cuidado a preservação da independência do escolhido. Não só não o fez como tudo o que tem dito desde então, reforçando que a escolha foi sua, deslegitima o sistema em que se estrutura a independência da PE, enfraquecendo, à luz dos olhos de todos os cidadãos europeus, a imparcialidade e objectividade da sua futura actuação; menoriza cada vez mais o escolhido perante a generalidade dos demais PE, nomeados na sequência da apreciação fundamentada do comité e não por vontade discricionária do governo do seu país.

A evidência da nomeação do PE como uma escolha do Governo português é um verdadeiro “abraço de urso”: quanto mais o Governo afirma que a escolha foi sua, mais constrangido fica o escolhido. Ou seja, maior é a perceção pública da sua dependência. Tão importante como ser independente é parecê-lo. Sem isso não pode haver confiança na Justiça.

Como o PE português nomeado é um dos que terá um mandado de apenas três anos, dentro de um ano e meio iniciar-se-á novo procedimento para a nomeação do seguinte. Se nada for feito, repetir-se-á o lamentável processo a que assistimos.

Todos os partidos – e foram todos – que nesta polémica acesamente invocaram a necessidade de preservar a independência da PE e dos seus procuradores, têm agora o dever, se querem evitar a repetição do sucedido, de diligenciar por alterar a Lei 112/2019.

O primeiro aspeto é definir que apenas os magistrados do Ministério Público podem ser PE. É certo que o Regulamento também o admite a juízes, mas isso porque EM há em que as funções que são as da PE são exercidas por juízes. Não é o caso de Portugal, em que, por força do disposto na Constituição e na lei, cabem apenas ao MP. Não há, pois, qualquer motivo para prever que juízes possam exercer o cargo de PE. Note-se que o Regulamento também prevê que juízes possam exercer as funções de PE Delegado (os que permanecerão em Portugal) e a Lei 112/2019 reservou, bem, essa possibilidade aos magistrados do Ministério Público. O critério deve ser o mesmo.

Depois, se assim for, simples é retirar qualquer intervenção do Governo na seleção dos candidatos. Esta deve ser feita exclusivamente pelo CSMP, por concurso, que indicará ao Governo três candidatos, sem qualquer graduação relativa, que depois os apresentará, nos mesmos termos, ao Conselho.

Só assim nos livraremos do abraço do urso. Deste e dos que se lhe seguirem, que, independentemente do Governo ou partido, não serão certamente muito diferentes.

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