January 23, 2021

Livros - para os curiosos acerca dos sonhos

 


- aviso aos amantes de Freud: avancem com precaução 🙂


By Nick Romeo

Um teatro do inconsciente nos nossos sonhos

Há várias décadas, uma mulher que vivia num apartamento de um segundo andar sonhou que caia pela escadaria de madeira do seu edifício. Alguns dias mais tarde, um dos degraus desabou sob o seu peso e ela mal conseguiu evitar uma queda grave. Será que o seu sonho previu de alguma forma o acidente?
O vizinho da mulher era um jovem investigador de sonhos chamado Antonio Zadra. Depois de ouvir a sua história, inspeccionou os degraus e notou sinais de apodrecimento. 
A mulher jurou nunca ter notado qualquer dano e ele acreditou nela. Sabia, no entanto, que percebemos conscientemente apenas um subconjunto da informação total que as nossas mentes absorvem do mundo. Suspeitou que ela tinha inconscientemente registado a decomposição das escadas e o seu sonho era uma representação vívida da ameaça.

Para aqueles de nós cujos vizinhos não estudam sonhos, não é surpreendente que tais episódios possam inspirar uma sensação de maravilha que raia o misticismo. Mesmo os profissionais lutam frequentemente para evitar relatos implausíveis sobre as origens e significados dos sonhos. Basta considerar os caminhos explicativos não tomados por Zadra: ele não coloca o sonho dela como uma instância de realização de desejos suprimidos (Freud), uma protrusão de um arquétipo inconsciente colectivo (Jung), uma explosão aleatória de actividade neural (a hipótese de activação-síntese) ou qualquer tipo de evento místico, sobrenatural (grande parte da Internet).

Zadra e o novo livro fascinante de Robert Stickgold, "When Brains Dream" (Quando o cérebro sonha): Exploring the Science and Mystery of Sleep" (Explorando a Ciência e o Mistério do Sono), conduz um curso razoável e amplo entre os muitos redemoinhos interpretativos que engoliram anteriores exploradores de sonhos. Embora percorram uma vasta gama de investigação e teorização contemporânea, propõem, em última análise, que uma função primária do sonho é detectar e dramatizar os possíveis significados da informação latente nas memórias e associações a que raramente temos acesso enquanto estamos acordados.

Começam com uma útil desobstrução do caminho do inquérito. Apesar da sua imponente estatura na imaginação popular, Sigmund Freud é apenas um arbusto que bloqueia mais progressos. Não só negligenciou o reconhecimento de que aspectos importantes do seu livro,  "A Interpretação dos Sonhos" de 1899 já tinham sido articulados por pioneiros do início do século XIX na investigação de sonhos, como também apresentou as suas conclusões em termos dogmáticos e categóricos. 

O juízo do anatomista espanhol Santiago Ramón y Cajal, o Prémio Nobel de 1906 que descobriu células nervosas, é pertinente: "Excepto em casos extremamente raros, é impossível verificar a doutrina do autor vienense que sempre pareceu mais preocupado em fundar uma teoria sensacionalista do que com o desejo de servir austeramente a causa da teoria científica".

À medida que a longa sombra de Freud se dissolvia gradualmente em meados do século XX, a investigação séria sobre o sonho podia começar a sério. Dois amplos pólos parecem ligar o espectro de explicações pós-freudianas. Num extremo está um modelo proposto na década de 1970 chamado "hipótese de activação-síntese", que sugere que os sonhos são tentativas do nosso cérebro de impor uma semblante de estrutura sobre as imagens caóticas provocadas por disparos neurais essencialmente aleatórios. No outro extremo estão os relatos neo-darwinistas, argumentando que os sonhos servem as funções adaptativas de simulação e resposta a potenciais ameaças ou situações sociais.

Embora Zadra e Stickgold rejeitem a ideia de que os sonhos são epifenómenos aleatórios, também sublinham que os sonhos só raramente reproduzem ou resolvem situações reais da vida. A sua própria teoria propõe que o sonho extrai novas informações das memórias, descobrindo e reforçando associações anteriormente inexploradas (marcam o seu modelo com a sigla NEXTUP: exploração de rede para compreender possibilidades). Contudo, para que esta capacidade seja um alvo de selecção natural, a nova informação que o sonho descobre deve proporcionar pelo menos algum benefício periódico de sobrevivência. 
Poderiam ser mais claros relativamente a estas afirmações e também distinguir mais precisamente em pontos, os benefícios de dormir e os benefícios de sonhar per se.

Uma descoberta sugestiva para o seu argumento é que as pessoas são melhores na aprendizagem de novas competências, quer seja uma sequência de teclas ou o percurso através de um labirinto, após o sono. Há algumas provas de que os sonhos, em particular, são um mecanismo desta melhoria: num estudo, os participantes que relataram sonhos relacionados com a resolução de um labirinto virtual melhoraram mais do que aqueles que não o fizeram. 

O sono REM (rapid eye movement - movimento rápido dos olhos) é uma fase particularmente interessante do sono, na qual a paralisia muscular pode permitir-nos experimentar sonhos sombrios e negativos sem qualquer risco de agir a partir deles. Quando acordados do sono REM, as pessoas são também excepcionalmente rápidas a notar ligações entre conceitos distantes associados - por exemplo, se não se consegue identificar a palavra que liga os termos "deserto", "gelo" e "feitiço", vale a pena tentar novamente após uma sesta. A ausência de certos neurotransmissores faz com que a mente tenha tendência para a deriva associativa livre durante o sono REM, o que pode explicar a qualidade frequentemente bizarra dos nossos sonhos durante esta fase do sono.

Também estamos neuroquimicamente predispostos a achar os nossos sonhos significativos, o que pode sugerir que eles têm uma função pedagógica. Mesmo os conselhos comuns para tomar uma decisão importante apenas depois de "dormir sobre o assunto" podem valer a pena ser revistos, para se "sonhar sobre o assunto". 
O facto dos sonhos gerarem frequentemente emoções poderosas e implantarem estruturas narrativas reforça ainda mais a noção de que talvez representem uma espécie de teatro do inconsciente, que nem sempre tem a intenção de fornecer soluções concretas ao ponto de fazer sentido e significado a partir das nossas experiências. Contudo, por vezes, o objectivo deste teatro nocturno pode ser bastante simples: se sonha em cair pelas escadas, apanhe o elevador.

(tradução minha)

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