Porque é que a nossa busca pela felicidade pode ser falhada
Martha Nussbaum, uma proeminente filósofa da ética, afirma que as sociedades modernas encaram a felicidade como 'um sentimento de contentamento ou prazer, e uma visão que faz da felicidade o bem supremo, por definição, uma visão que dá valor supremo a estados psicológicos'.
Os livros de auto-ajuda e a "psicologia positiva" prometem desbloquear esse estado psicológico ou disposição feliz. Mas os filósofos tendem a ser cépticos em relação a esta visão da felicidade porque os nossos estados de ânimo são fugazes e as suas causas muito incertas. Em vez disso, fazem uma pergunta relacionada, mas mais ampla: o que é a boa vida?
Mas a maximização do prazer não é a única opção. Toda a vida humana, mesmo a mais afortunada, está repleta de dor. Perdas dolorosas, desilusões dolorosas, a dor física de lesões ou doenças e a dor mental do tédio, solidão ou tristeza duradouros. A dor é uma consequência inevitável de se estar vivo.
Para o antigo filósofo grego Epicuro uma boa vida era aquela em que a dor seria minimizada. A ausência de dor concede-nos tranquilidade de espírito, ou ataraxia. Esta noção tem algo em comum com a nossa compreensão moderna da felicidade. Estar "em paz consigo mesmo" marca a pessoa feliz e distingue-a do infeliz e ninguém imaginaria que uma vida cheia de dor pudesse ser uma boa vida. Mas será que a minimização da dor é realmente a essência da felicidade?
Uma vida de dor significativa poderia ser mais valiosa do que uma vida de prazer sem sentido. Como se não fosse suficientemente difícil perceber o que é a felicidade, precisamos agora de perceber o que é também uma vida com sentido.
Mas se colocarmos de lado a complicada questão de saber o que torna a vida significativa, ainda podemos ver que a ideia moderna da felicidade como summum bonum - ou bem mais elevado do qual todos os outros bens fluem - está errada.
Quem entraria na máquina, sabendo das condições? Nozick diz que não o faria porque queremos realmente fazer certas coisas e ser certo tipo de pessoas e não apenas ter experiências agradáveis. Esta situação hipotética pode parecer frívola, mas se estamos dispostos a sacrificar o prazer sem limites por um significado real, então a felicidade não é o bem mais elevado. Mas se Nozick estiver certo, então os 81% dos americanos inquiridos que escolheram a felicidade como o supremo bem em vez de grandes realizações, estão errados e estudos têm demonstrado que as pessoas optariam, na sua maioria, por não entrar na máquina.
Mill estava incapaz de sentir prazer na vida. Isto seria mau para a maioria das pessoas, mas para Mill apontava para algo ainda mais preocupante. Tinha-lhe sido ensinado desde o nascimento que o fim último da vida é maximizar o prazer da humanidade e minimizar a sua dor. O pai de Mill era um seguidor do filósofo utilitarista Bentham e tinha criado o seu filho de acordo com a opinião deste. Bentham foi mais longe que Epicuro, fazendo da felicidade o último apelo de uma vida individual e o último apelo da moralidade. Para Bentham, todas as questões morais, políticas e pessoais podem ser resolvidas por um princípio simples - "a maior felicidade para o maior número". Mas se esse era o único princípio a viver, como poderia Mill justificar a sua própria existência, desprovida de felicidade?".
A eudaimonia é um conceito difícil de traduzir para os nossos conceitos contemporâneos. Alguns, como a filósofa Julia Annas, traduzem-na directamente como "felicidade", enquanto outros estudiosos preferem "o florescimento humano". Qualquer que seja a tradução, ela marca um contraste distinto com a nossa concepção moderna de felicidade.Através da sua depressão, Mill percebeu que o princípio utilitário de Bentham, que elevava o prazer ao bem supremo, era uma "filosofia suína", adequada apenas para os porcos. Insatisfação, infelicidade e dor fazem parte da condição humana e por isso "é melhor ser um ser humano insatisfeito do que um porco satisfeito", de acordo com Mill. Ele continuou a acreditar que a felicidade era profundamente importante, mas percebeu que tomar como objectivo a felicidade raramente nos conduzirá a ela.
Em vez disso, Mill pensou que se deveria apontar para outros bens e a felicidade poderia ser um subproduto. Mas isto também sugere que uma boa vida pode ser uma vida infeliz. O que o Mill reconheceu foi o que Aristóteles tinha argumentado dois milénios antes - o prazer passageiro da felicidade é secundário a viver uma boa vida, ou de alcançar o que Aristóteles chamou de 'eudaimonia'.
A visão de Aristóteles sobre o florescimento é complexa porque incorpora satisfação individual, virtude moral, excelência, boa sorte e compromisso político. Ao contrário da visão contabilística da dor de Epicuro ou da visão "suína" do prazer de Bentham, a ideia de Aristóteles de florescer é tão confusa como os humanos que descreve.
Tal como a nossa concepção moderna da felicidade, a eudaimonia é o propósito último da vida. Mas ao contrário da felicidade, a eudaimonia é realizada através de hábitos e acções, não através de estados mentais. A felicidade não é algo que se experimenta ou se obtém, é algo que se faz.
Para Aristóteles, a virtude é uma característica que atinge uma posição média ou intermédia entre os extremos. Por exemplo, entre os extremos da cobardia e da imprudência encontra-se a bravura; entre os extremos da avaro e do perdulário encontra-se a generosidade. Agir para manter um equilíbrio entre os extremos é uma acção virtuosa. Mas onde os utilitários reduziram a moralidade à felicidade, Aristóteles sustentou que a virtude é necessária, mas não suficiente para a eudaimonia. Não podemos florescer sem virtudes, mas ser virtuoso não é um atalho para a eudaimonia. Pelo contrário, a acção virtuosa é em si mesma uma parte da eudaimonia.
Mas mesmo isso não pode garantir o florescimento. Aristóteles reconheceu que a nossa felicidade é refém da sorte. Acontecimentos fora do controlo de qualquer indivíduo - guerra, amor não correspondido, pobreza e pandemias globais - tornarão muitas vezes impossível o florescimento (e a felicidade que vem com ele).
Reconhecer isto não garantirá uma boa vida, mas dissipará a esperança ilusória de contentamento permanente. Ao compreender mal a felicidade, a concepção moderna aumenta a probabilidade de desapontamento. Nenhuma vida que valha a pena viver deve satisfazer o padrão estabelecido por Epicuro ou as visões utilitárias da felicidade, pelo que os seus aderentes modernos estão destinados a desiludir-se com as nódoas da vida humana. Em vez disso, podemos abraçar, com Aristóteles essas nódoas e florescer apesar delas.
(excerto grande do artigo - tradução minha)
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