January 07, 2021

Cenas tristes

 


Agora fui ao hospital aqui do sítio (levar uns resultados e dar uma explicação a um médico, para não ser mal educada, porque agora não preciso de dois médicos com a mesma especialidade - fiquei de ir lá quando descobrissem alguma coisa só porque ele tem curiosidade e quer saber o que há de novo. okay...). Assim que entrei fui lá à tenda do rastreio e a funcionária que me atendeu reconheceu-me, 'Olá dona Beatriz, como tem passado? Bem obrigada e a senhora? (não faço ideia de quem seja com a máscara posta, mas não me desmanchei...); depois, quando saí fui pedir uma declaração. A rapariga que me atendeu, a mesma coisa, 'olá dona Beatriz, como tem passado?' Mas essa reconheci porque ela estava sempre ali quando eu ia levar vacinas o que era todos os meses. O que achei estranho foi ela reconhecer-me. Depois estava à porta, do lado de dentro, à espera da minha taxista e uma mulher saiu e ficou ali à espera, mesmo ao meu lado, ali a meio metro. Olhei para ela e tudo, para a deixar passar porque ia com uma espécie de andarilho a apoiar uma perna. Não a reconheci mas ela reconheceu-me e falou-me. Não reconheço as pessoas, é horrível, mesmo sem máscara. Calculo que é porque não ligo ao aspecto exterior das pessoas e só olho para dentro e reconheço por dentro. Posso estar um ano inteiro a trabalhar com os alunos que não sou capaz de dizer se este ou aquela têm o cabelo comprido ou curto, de que cor, de que cor são os olhos, se são baixos ou altos... nada. Se me perguntarem características internas, de comportamento ou de pensamento, de raciocínio, bem, isso é outra história e não confundo ninguém.

Mas enfim, quem estava à porta do hospital era uma funcionária da escola que teve um AVC há mais de um ano. Já fala bem (sei que isso levou muito tempo) mas ainda arrasta uma perna e tem muita dificuldade em andar. Do que me lembro da irmã contar (também é funcionária na escola) ela esteve mais de um dia à espera de ser operada... um acidente onde o tempo de atendimento faz imensa diferença na capacidade de recuperação. Ela é uma mulher perto dos cinquenta, ainda nova. Uma pessoa cheia de energia, sempre bem disposta. Uma tristeza que as coisas não funcionem bem. Uma pessoa paga impostos para ter acesso a médicos e a serviços de qualidade, mas normalmente não tem. Hoje li que há médicos em tele-trabalho e secretárias de médicos que meteram cunha para serem vacinados à frente de outros médicos e enfermeiros que estão na linha da frente... portanto, nem entre eles têm piedade...

Enfim, estivemos à conversa um bocadinho. Disse-lhe que estava a falar muitíssimo bem. Animou-se. É uma cena revoltante porque temos ideia de que ela podia estar já recuperada se tivesse tido outro atendimento. É uma vida cerceada demasiado cedo. Isto é um mundo cão. 


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