December 26, 2020

Três poemas de Torga

 








imagem tirada de
de textosdepoesia









Ariane


Ariane é um navio.

Tem mastros, velas e bandeira à proa,

E chegou num dia branco, frio,

A este rio Tejo de Lisboa.

Carregado de Sonho,  fundeou

Dentro da claridade destas grades…

Cisne de todos, que se foi, voltou

Só para os olhos de quem tem saudades…

Foram duas fragatas ver quem era

Um tal milagre assim: era um navio

Que se balança ali à minha espera

Entre gaivotas que se dão no rio.

Mas eu é que não pude ainda por meus passos

Sair desta prisão em corpo inteiro,

E levantar a âncora, e cair nos braços

De Ariane, o veleiro.

 

In Diário

(Lost at sea, Terry Fan)


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Começo

Magoei os pés no chão onde nasci.
Cilícios de raivosa hostilidade
Abriram golpes na fragilidade
De criatura
Que não pude deixar de ser um dia.
Com lágrimas de pasmo e de amargura
Paguei à terra o pão que lhe pedia.

Comprei a consciência de que sou
Homem de trocas com a natureza.
Fera sentada à mesa
Depois de ter escoado o coração
Na incerteza
De comer o suor que semeou,
Varejou,
E, dobrada de lírica tristeza,
Carregou.

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Recomeça

Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças…


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