A arte depende e move-se profundamente com e através da imaginação. O artista ao fazer arte cria algo que ainda não existe em termos concretos, são novas possibilidades, novos modos de ser, novas dimensões do real. Quando lemos um poema, ouvimos uma música, consideramos uma pintura ou outra criação artista, o trabalho de evocação que fazemos, sugerido pela obra faz nascer na nossa mente realidades que já não são, como imagens da infância, recordações de um amigo que morreu, de um livro que lemos há muito ou outra coisa qualquer que já passou, mas que agora está viva na nossa mente; ou evocamos realidades culturais e temos um sentido da intersubjectividade que nos relaciona uns com os outros; ou imaginamos, projectamos possibilidades futuras.
A arte acorda em nós uma liberdade conceptual e faz-nos saborear a beleza que é uma emoção sublimadora de impacto profundo. Para Hegel, por exemplo, a liberdade é a realização das possibilidades de liberdade e do espírito no seio de uma cultura.
Se certas criações 'perdem' um pouco da sua beleza com o tempo histórico ou o lugar cultural é porque a nossa consciência, o espírito, na sua liberdade, alargou a sua perspectiva e vê agora de um ponto de vista mais amplo. A arte é um projecto permanente em evolução de realizar liberdade através da expressão da beleza em direcção à Ideia que é a realização da totalidade das possibilidades de todas as coisas.
Nós, humanos, movemo-nos em relação a um sentido mais rico, mais diverso, mais sofisticado, mais belo da realidade e arte faz parte dessa evolução de liberdade. Liberdade aqui não é no sentido de liberdade de expressão, ou liberdade política, mas liberdade ontológica: somos animais num processo evolutivo de progressiva libertação das determinações da natureza. Isso passa-se a nível filogenético assim como se passa a nível ontogenético. Cada um de nós, se se empenhou no seu crescimento, foi evoluindo num sentido de abertura de horizontes, de... desbloquemento de possibilidades que nos realizam enquanto seres: um dia descobrimos que somos capazes de poesia, ou de filosofia, ou de música outra coisa qualquer e, à medida que vamos desvelando essas possibilidades expandimo-nos e expande-se a nossa liberdade e o nosso espírito, a sabedoria, se quisermos.
A espécie humana foi alargando as suas possibilidades: a religião, a filosofia, a ciência, a política, etc., são criações humanas de libertação do constrangimento dado. A arte, no meio de todas estas criações, é aquela que mais acorda a imaginação em nós e a imaginação é o que nos abre as possibilidades futuras. É com a imaginação que vemos o que pode ser.
A arte, juntamente com o sentido da vida, são as manifestações mais antigas da humanidade: sabemo-lo pelos túmulos onde os primitivos enterravam os semelhantes para um nova vida, que dava sentido a esta, pelas pinturas nas cavernas onde expressavam as suas possibilidades com a imaginação. Por conseguinte, o impulso da arte está embutido no que há de mais profundo na nossa natureza: nunca houve um povo, uma cultura, uma época, sem arte. Mesmo no meio do pior inferno o ser humano faz poesia, desenha, escreve, pinta, faz escultura, ritmo musical... e a arte, mais que a ciência, a política ou outra manifestação humana, toca-nos com a sua beleza.
A arte grande, que é sempre de cariz filosófico, nisto de conseguir representar o universal intemporal no particular (o assunto da obra), como as botas de Van Gogh, por exemplo, inspira-nos e dilata-nos o espírito e a liberdade.
Somos sapiens racionais e somos demens imaginativos: este é o caos que aquele primeiro transforma em cosmos.
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