Dürer era diferente porque via para além da sua cultura, para além do seu contexto, para além de si, no sentido de pessoa que pertence a um determinado grupo humano-social-cultural. Esse olhar dele é o que o faz diferente. Não é a técnica ou o talento como pintor ou gravador ou até a inteligência, mas o olhar, o modo de ver supratemporal. E isso nota-se no que faz.
Não basta ser inteligente para ser diferente. Veja-se Heidegger, um homem tão inteligente a pensar a filosofia e o próprio pensamento mas vulgar no olhar cultural, completamente imerso e a repetir os comportamentos tradicionais do seu grupo humano-social-cultural. É isso aliás, o que desilude os seus ex-admiradores.
À maneira do que Platão diz no Fédon, sem a inteligência, o talento e a técnica, Dürer nunca teria sido um grande pintor, mas a causa de ser um dos grandes na sua arte não está nesses processos, mas no seu olhar, que vai para além da cultura -tempo e lugar- onde nasceu.
Muita gente pensa que por ser mais inteligente que o normal, é também diferente, no sentido de ser fora da caixa como se costuma dizer, mas não é isso que faz certas pessoas diferentes. E uma maneira de percebermos isso é ver se elas encaixam perfeitamente nos padrões culturais do seu grupo: etário, de género, raça, educação, etc. Se repetem o que os outros do mesmo grupo fazem.
Por muito que Dürer ensinasse a sua técnica a outros, eles nunca seriam como ele, porque estão tão dentro do seu caldeirão cultural com os seus rituais a cumprir a sua parte nas tradições e modos de ser que lhes correspondem enquanto representantes de um certo grupo humano-social-cultural que não se apercebem que existem outras maneiras do ser, ser - e que essas maneiras são para além do tempo e dos seus constrangimentos. Isto é tão evidente.
O que faz Dürer diferente é o facto de ele compreender a vida, os processos da vida, as vissicitudes, as fraquezas humanas e, vê isso tudo como indícios do universal no particular quotidiano. Essa visão aplica-a a si mesmo com uma grande honestidade, o que se vê pelos seus auto-retratos que, mesmo quando são pintados com vaidade, não tentam esconder essa mesma vaidade. Pensar é ver. Ver para fora, ver para dentro e ver além. É o que vemos na expressão do seu olhar mais acima, nesse pormenor de pintura. Alguém que nos olha e vê, agora, a partir do seu tempo. Como resistir a isso?
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