November 06, 2020

Dürer era diferente

 


Albrecht Dürer




Dürer era diferente porque via para além da sua cultura, para além do seu contexto, para além de si, no sentido de pessoa que pertence a um determinado grupo humano-social-cultural. Esse olhar dele é o que o faz diferente. Não é a técnica ou o talento como pintor ou gravador ou até a inteligência, mas o olhar, o modo de ver supratemporal. E isso nota-se no que faz. 

Não basta ser inteligente para ser diferente. Veja-se Heidegger, um homem tão inteligente a pensar a filosofia e o próprio pensamento mas vulgar no olhar cultural, completamente imerso e a repetir os comportamentos tradicionais do seu grupo humano-social-cultural. É isso aliás, o que desilude os seus ex-admiradores.

À maneira do que Platão diz no Fédon, sem a inteligência, o talento e a técnica, Dürer nunca teria sido um grande pintor, mas a causa de ser um dos grandes na sua arte não está nesses processos, mas no seu olhar, que vai para além da cultura -tempo e lugar- onde nasceu.

Muita gente pensa que por ser mais inteligente que o normal, é também diferente, no sentido de ser fora da caixa como se costuma dizer, mas não é isso que faz certas pessoas diferentes. E uma maneira de percebermos isso é ver se elas encaixam perfeitamente nos padrões culturais do seu grupo: etário, de género, raça, educação, etc. Se repetem o que os outros do mesmo grupo fazem.

Por muito que Dürer ensinasse a sua técnica a outros, eles nunca seriam como ele, porque estão tão dentro do seu caldeirão cultural com os seus rituais a cumprir a sua parte nas tradições e modos de ser que lhes correspondem enquanto representantes de um certo grupo humano-social-cultural que não se apercebem que existem outras maneiras do ser, ser - e que essas maneiras são para além do tempo e dos seus constrangimentos. Isto é tão evidente.

O que faz Dürer diferente é o facto de ele compreender a vida, os processos da vida, as vissicitudes, as fraquezas humanas e, vê isso tudo como indícios do universal no particular quotidiano. Essa visão aplica-a a si mesmo com uma grande honestidade, o que se vê pelos seus auto-retratos que, mesmo quando são pintados com vaidade, não tentam esconder essa mesma vaidade. Pensar é ver. Ver para fora, ver para dentro e ver além. É o que vemos na expressão do seu olhar mais acima, nesse pormenor de pintura. Alguém que nos olha e vê, agora, a partir do seu tempo. Como resistir a isso?


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