Quando olhamos esta pintura somos imediatamente atraídos pelo rosto, com o olhar um bocadinho estrábico e para as mãos. Dürer pinta-se aqui com um ar sensual, muito leve, excepto na tensão das mãos. Um olhar interrogador fixado directamente em nós. A pintura tem tantos detalhes cheios de delicadeza que só se vêm em persona, quando estamos sozinhos com ele, muito tempo, sem interrupções, para podermos olhar à vontade e pensar.
Dürer pintou muitos auto-retratos ao longo da vida e o que vemos nesses auto-retratos é aquilo que Hegel chamava, 'o espírito': uma inteligência cultural e psicológica em evolução e maturação. Uma auto-consciência. De retrato para retrato há claramente um movimento de reajustamento de si mesmo, do seu 'eu' psicológico à medida que se vai auto-determinando. Mas a inteligência dele já se vê no primeiro auto-retrato que fez com treze anos. Traços seguros, simples mas desafrontados. Não teme mostrar-se. Claramente um tipo muito inteligente. Quando falo em inteligência não falo de raciocínio mas de um olhar educado: ele vê as coisas e as pessoas não só do ponto de vista da luz e da sombra, da cor, da textura, da geometria no espaço, mas também do ponto de vista da psicologia, do temperamento, dos vícios e virtudes, do contexto cultural, da filosofia, da religião, etc. E tudo isso com um olhar desassombrado e uma coragem no modo como se revela e se mostra. Ora isso só é possível a alguém que olha para dentro de si no sentido socrático de ir buscar a verdade a si mesmo e de ter coragem de 'ser' e se mostrar sendo. Ele mostra a sua força e a sua vulnerabilidade. Veja-se o último auto-retrato dele, nu, exposto, um: ecce homo. Lá está, é mais um pintor que consegue mostrar o universal num particular.
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