XXI – Então, que escolhes, Símias? Nascemos com o conhecimento ou nos recordamos ulteriormente do que conhecemos ante?
Assim de pronto, Sócrates, não sei como decidir-me.
Como? Sobre isto podes perfeitamente decidir-te e dizer o que pensas: quem sabe, está em condições de dar as razões do que sabe, ou não?
Necessariamente, Sócrates, respondeu.
E és de parecer que todo o mundo possa dar as razões das questões que acabamos de tratar?
Tomara que o pudessem! Porém receio muito que amanhã a estas horas não haja aqui uma só pessoa em condições de fazê-lo.
Decerto, Símias, continuou, não és de opinião que todos os homens entendam dessa questões. [quer dizer, se se desse o caso de nascermos com os conhecimentos todos, seríamos capazes, desde que nascemos de os explicar. Mas não. O facto é que vamos progredindo no conhecimento]
De forma alguma.
Nesse caso, recordam-se do que aprenderam antes?
Necessariamente.
E quando é que nossas almas adquirem esses conhecimento? Não há de ser a partir do momento em que nascemos como homens.
Não, decerto.
Então é antes?
Sim.
Logo, Símias, as almas existem antes de assumirem a forma humana, separadas dos corpos, [seu estado natural] e possuírem entendimento.
A menos, Sócrates, que adquiramos tal conhecimento ao nascer, pois ainda falta considerar esse tempo.
Que seja, companheiro! Mas então, em que tempo perdemos esse conhecimento? Ao nascermos não dispomos dele, como acabamos de admitir. Ou será que o perdemos no momento exato em que o adquirimos? Poderás indicar outro tempo?
Não há jeito, Sócrates, sem o querer, disse uma tolice.
XXII – Nossa situação, Símias, não será a seguinte? Se existe, realmente, tudo isso com que vivemos a encher a boca: o Belo e o Bom e todas as essências desse tipo, [que constantemente usamos para qualificar] e se a elas referimos tudo o que nos chega por intermédio dos sentidos, como a algo preexistente, que encontramos em nós mesmos [na alma] e com que o comparamos: será forçoso que, assim como elas, [as Ideias] exista nossa alma antes de nascermos, e que sem aquela estas não existiriam?
[se as Ideias não existissem em nós, estaríamos a recordar o quê, sabendo que elas não têm origem no mundo dado o seu carácter não material; e se a alma não existisse previamente ao corpo, como explicaríamos ter essas Ideias? A alma, portanto, é um intermediário entre a Verdade e o mundo]
Mais que exata, falou Símias, me parece, Sócrates; é muito segura a posição a que se acolhe o argumento, no que entende com a afinidade entre as essências (Ideias) a que te referiste, e nossa alma, antes de nascermos. Essa demonstração me satisfaz plenamente.
E a Cebete? Perguntou; precisamos também de convencer Cebete.
A ele também satisfaz, respondeu Símias, segundo penso, muito embora seja o homem mais difícil de aceitar a opinião dos outros. Mas creio que já esse encontra convencido de que nossa alma existe antes de nascermos.
XXIII – Porém Sócrates, que ela continue a existir depois de nossa morte é o que não me parece ainda suficientemente demonstrado, pois ainda está de pé a opinião do vulgo a que Cebete se referiu há pouco: Quem sabe se no instante preciso em que o homem morre, a alma se dispersa, sendo esse, justamente, o seu fim? Que impede, de facto que ela nasça algures e se constitua de outros elementos e exista antes de alcançar o corpo humano, mas depois de entrar no corpo, quando tiver de separar-se dele, também acabe de uma vez e venha a destruir-se?
[o facto da alma existir antes de reencarnar num corpo não obriga a que subsista depois]
Falaste bem, Símias, observou Cebete. Parece que só foi demonstrado metade do que era necessário, a saber: que a nossa alma existe antes de nascermos; ainda falta provar, por conseguinte, que depois de morrermos ela não existirá menos do que antes do nascimento. Só assim ficará completa a demonstração.
[3º argumento:]
Foi completada agora mesmo, Símias e Cebete, observou Sócrates; bastará juntardes o presente argumento ao que admitimos antes, de que tudo o que vive só nasce do que é morto. Porque se as almas existem antes do nascimento e se, necessariamente, para começarem a vida e existirem, não poderão provir de outra parte a não ser da morte do que está morto, não será forçoso que continuem a existir depois da morte, para renascerem? Como disse, essa parte já foi demonstrada.
[a reminiscência do 2º argumento, mostra que a alma tem de existir previamente; o 1º argumento prova que, para nascer tem de vir dos mortos, já que ficou provado que os contrário provêm dos contrários]
XXIV – Porém verifico, Símias e Cebete, que ambos vós gostariam de examinar mais a fundo essa questão, pois, como as crianças, temeis, de facto, que o vento arraste a alma e a disperse no momento em que ela deixa o corpo, máxime se na hora em que morre alguém o céu não estiver sereno e soprar vento forte. [o problema ontológico do ser baseia-se na crença e medo da morte e este não se desfaz com base em argumentos racionais]
E Cebete, desatando a rir, Faz de conta, Sócrates, observou, que estamos com medo, e procura convencer-nos. Ou melhor: será preferível admitires, não que temos medo, mas que talvez haja dentro de nós uma criança que se assusta com essas cosias. Trata, por conseguinte, de convencê-la a não ter medo da morte como do bicho-papão.
Para tanto, lhes falou Sócrates, será preciso exorcizá-la diariamente, até passar o medo. [Sócrates exorta-os a que não desleixem a reflexão filosófica depois de ele morrer]
E onde, Sócrates, perguntou, encontraremos um bom exorcizador, uma vez que nos abandonas?
A Hélade é grande, Cebete, replicou, e nela há muitos homens de merecimento. Grandes também sãos as gerações bárbaras, que precisareis esquadrinhar para encontrar um encantador nessas condições, sem olhar despesas nem fadiga, pois em nada melhor poderíeis aplicar o vosso dinheiro. [Platão aqui diz claramente que o problema da morte e do propósito da vida é o mais radical que existe entre todos e é pertença de toda a Humanidade - sem diferença entre gregos e bárbaros.] Mas convém promoverdes essa busca também entre vós outros, [refere-se aqui aos pitagóricos que ele pensa estarem melhor posicionados, devido aos seus conhecimentos, para prosseguirem a questão filosófica] pois talvez não seja fácil encontrar quem, melhor que vós disso melhor do que vós mesmos.
É o que faremos, falou Cebete. Porém se levares gosto nisso, voltemos para o ponto em que ficamos antes.
(continua)
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