Foi criada na Lei uma Rede Nacional de Cuidados Paliativos que inclui tudo o que possa dar apoio ao doente e eliminar o sofrimento, controlando qualquer dor insuportável, até à sedação progressiva ainda que por virtude do duplo efeito dela possa resultar a sua morte. A Lei prevê ainda uma sedação permanente para os casos de prognóstico vital breve. Este ponto parece inspirado na lei francesa de 2016 aprovada por uma maioria socialista no mandato do Presidente Hollande que introduziu a sedação profunda e continua que "provoca uma alteração da consciência mantida até à morte quando o doente está atingido por afeção grave, incurável, com prognóstico de vida comprometido a curto prazo tendo um sofrimento refratário aos tratamentos". Pode ser mantida no domicílio do doente.
Se estes direitos forem reconhecidos cai pela base o principal argumento a favor da eutanásia.
Não cai, não. Se bem entendo, o que chamam sedação profunda é equivalente a um estado vegetativo. Ora a pessoa pode não querer ficar nesse estado, independentemente de não ter dores. E ao contrário do que diz Roseta, isto não é, para toda a gente, um fim digno, de modo de que aquilo de que acusa os outros, de quererem generalizar a sua opinião a todos, é o que fez aqui.
O problema é que estes direitos são muito pouco concretizados na prática. Se o fossem estaria assegurado um fim de vida digno, sobretudo se houvesse apoio psicológico ao longo do processo.
A pessoa mantém a sua dignidade em qualquer circunstância, pois é inerente à sua condição de pessoa A morte digna é um conceito sem sentido usado pelos que não se preocupam em garantir a dignidade da vida até ao último instante. O que não fizeram e é urgente fazer é garantir o acompanhamento e as condições que evitem situações que conduzam as pessoas por causa da dor a pedir a eutanásia. Quem tem responsabilidade na situação atual não tem autoridade para votar a favor da eutanásia sem uma consulta à população. Se o Estado o fizer é claramente imoral. Roseta assume que a pessoa só pede a morte se estiver com dores físicas mas isso não é verdade. Ainda há pouco tempo li o caso de um rapaz que ficou tetraplégico e pediu aos pais para aceitarem e ajudarem-no a morrer. Para não falar no caso conhecidíssimo do espanhol.
O problema de Roseta é Deus: se o ser humano tem autonomia da vontade (e já agora, o argumento da dignidade da pessoa, [enquanto fim em si mesmo] como sabemos, vem justamente da autonomia da vontade fundada na liberdade, de modo que, se ataca a autonomia da vontade, ataca ao mesmo tempo, o argumento da dignidade que dela depende - como é que seres heterónomos têm uma dignidade inerente fundamental? Gostava de saber... se são heterónomos no que respeita à vontade, então a dignidade não é deles mas do princípio exterior que os organiza e determina), no pensamento de Roseta, substitui-se a Deus, que é o único que pode dar e tirar vida. É claro que, como Deus não está aqui nos hospitais, Roseta delega o poder de Deus em homens; ou seja, como os seres humanos não podem ser indivíduos autónomos, têm que deixar as decisões da sua vida a outros indivíduos também humanos que não têm nenhum grau de dignidade humana superior à sua... sejam médicos, padres, psicólogos... quer dizer, todos decidem da sua vida menos a própria pessoa? É um escravo dos outros, então, pois só os escravos é que sendo inocentes, têm outros a determinar a sua vida e a sua morte.
E qual é o problema da eutanásia implicar os serviços de outros que estão dispostos a prestá-los?
O facto de vivermos em sociedade e termos deveres para com os outros não nos subtrai a vontade individual livre. Não somos um pó que se dissolve nas águas sociais, somos uma sociedade de vontades autónomas e, se somos um fim em si mesmo e não um meio, não podemos ser um meio de os religiosos se sentirem bem com a sua fé. O ser humano não pode ser um instrumento da fé ou desconforto alheio.
Portanto, segundo Roseta, o rapaz que ficou tetraplégico deveria ter que aturar um psicólogo para o resto da vida, muito paternalisticamente, a explicar-lhe que devia ficar vivo para não ofender os religiosos na sua fé, apesar de ele mesmo não querer estar vivo naquelas circunstâncias?
Só que aqui não se trata de proteger a vida mas de suprimir a autonomia da vontade, que é um princípio filosófico fundamental nos direitos humanos. E, pior, fazê-lo à força. Em última análise, poderíamos ter que pôr uma pessoa num colete de forças como nos asilos de lunáticos do outro século ou sedá-la para a manter viva, à força.
No meio disto tudo, Roseta critica o autoritarismo da lei mas para defender uma espécie de terrorismo de Estado tendo como fim obrigar a pessoa a manter-se na vida mesmo contra a sua vontade autónoma consciente e livre.
O fundamento de todo o argumento de Roseta é o de que as pessoas, inocentes, conscientes e autónomas sejam privadas da sua liberdade para não se pensarem uns deuses e para que os religiosos fiquem de consciência tranquila com os mandamentos do seu Deus.
Eu não sou necessariamente contra o referendo, mas não com esta argumentação.
Pedro Roseta
Não posso estar mais de acordo contigo!
ReplyDeleteOhh e eu que gosto de uma discussãozinha... :) just kidding. não ando com vontade nenhuma de discussões.
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