October 12, 2020

As mulheres e os deuses de Veronese

 


Veronese - Perseu socorrendo Andrómeda


No fim do livro IV das Metamorfoses, Ovídio competou o relato dos mitos de Tebas e, abruptamente, começa o relato das histórias de Perseu. Começa-as pelo meio: já Perseu voa pelo Norte de África, pelas areias do deserto da Líbia com a cabeça da Medusa decepada e ainda gotejante, enfiada no seu saco. 

Aproximando-se o fim do dia resolve parar e pedir guarida nas terras do gigante Atlas. Apresenta-se, incluindo a sua divina paternidade e pede para pernoitar. 

O gigante, lembrando-se da profecia segundo a qual o filho de Júpiter havia de arruiná-lo, recusa com rudeza e começa a lutar com ele. Perseu diz então ter um presente para lhe oferecer em paz e aponta o saco onde está a cabeça da Medusa:

He said no more, but turning his own face,
he showed upon his left Medusa’s head,
abhorrent features. — Atlas, huge and vast,
becomes a mountain — His great beard and hair
are forests, and his shoulders and his hands
mountainous ridges, and his head the top
of a high peak; — his bones are changed to rocks.
Augmented on all sides, enormous height
attains his growth; for so ordained it, ye,
O mighty Gods! who now the heavens’ expanse
unnumbered stars, on him command to rest.

Assim que rompe a manhã, Perseu levanta-se e voa com as suas sandálias aladas, um presente de Mercúrio por ter morto a Medusa. Voa sobre a Etiópia onde vê a bela Andrómeda acorrentada a uma rocha. Apaixona-se imediatamente por ela e desce para a libertar. Conversam um pouco e ela fala-lhe de si mesma e, quando está prestes a contar-lhe como chegou àquela situação, um monstro enorme emerge do mar e dirige-se para ela para a devorar. Estando os pais dela ali perto impotentes, ele oferece-se para a salvar em troca de sua mão em casamento. Não tendo outra opção aquiescem. 

Perseu levanta voo novamente e na descida afunda a lâmina curva da espada no ombro do monstro. O monstro mergulha e reaparece para que Perseu enterre a lâmina ainda mais fundo. Com as sandálias pesadas do sangue da besta cai numa pequena pedra e daí acaba com o monstro. Andrómeda é libertada. Perseu lava as mãos e depois põe a cabeça de Medusa, com muito cuidado, num leito de algas marinhas que são imediatamente transformadas em corais:

The hero washes his victorious hands
in water newly taken from the sea:
but lest the sand upon the shore might harm
the viper-covered head, he first prepared
a bed of springy leaves, on which he threw
weeds of the sea, produced beneath the waves.
On them he laid Medusa’s awful face,
daughter of Phorcys; — and the living weeds,
fresh taken from the boundless deep, imbibed
the monster’s poison in their spongy pith:
they hardened at the touch, and felt in branch
and leaf unwonted stiffness. Sea-Nymphs, too,
attempted to perform that prodigy
on numerous other weeds, with like result:
so pleased at their success, they raised new seeds,
from plants wide-scattered on the salt expanse.
Even from that day the coral has retained
such wondrous nature, that exposed to air
it hardens. — Thus, a plant beneath the waves
becomes a stone when taken from the sea.

(não me atrevo a traduzir Ovídio...)

Perseu faz oferendas aos deuses e prepara-se para o casamento com Andrómeda.

Perseu foi pintado e esculpido muitas vezes. Aqui, por exemplo, está com Atlas, transformado já em suporte dos céus (e não da Terra como muitas vezes é representado).

Edward Burne-Jones (1833–1898), The Perseus Series: Atlas Turned to Stone (1878), bodycolour, 152.5 × 190 cm, Southampton City Art Gallery, Southampton, England. Wikimedia Commons.


A pintura de Veronese deste mito, não sendo a mais completa, é a mais bonita (segue a visão de Ticiano). Vemos Perseu na altura de cair sobre o monstro que se ergue das águas negras. Os céus estão tão perturbados como Andrómeda que tenta esquivar o corpo do mostro. Andrómeda aparece aqui vestida e não nua, como é costume e, com um manto cor de fogo igual à vestimenta de Perseu, o que é sugestivo da paixão que os acometeu.
Gosto da maneira como Veronese pinta as mulheres. Mesmo quando estão em situação de aflição ou de perigo, nunca têm um ar frágil de coitadinhas, pelo contrário olham o perigo de frente. Extraordinário neste pintura é a leveza de Perseu em contraste com a densidade pesada do ambiente e do mostro. O movimento do manto dele dá a impressão de esvoaçar e o tom de luminusidade que o envolve faz um contraste de luz com a escuridão que vem de baixo.


Paolo Veronese (1528–1588), Perseus Rescuing Andromeda (1576-78), oil on canvas, 260 × 211 cm, Musée des Beaux-Arts, Rennes, France. Wikimedia Commons.

fonte: perseus-and-andromeda/

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