Um discurso vazio. Se não, vejamos:
1. ... "é possível e está a chegar uma escola capaz de diagnosticar" - nós professores não somos médicos e esta é uma linguagem médica - os alunos não são doentes que vamos curar com o diagnóstico certo. São seres em desenvolvimento que apanhamos numa determinada altura do seu percurso de vida e a quem, se levamos isto a sério, abrimos caminhos, damos ferramentas e mostramos como podem usá-las. Isto não se faz sem resistência da parte deles, na maioria dos casos. Estudar não é natural, e é difícil para a esmagadora maioria das pessoas; só a aprendizagem por experiência e imitação são naturais.
As pessoas, até certa idade, não só não sabem quais são os seus interesses (salvo raras excepções), para além daqueles da vida imediata (cada vez mais restringida ao que cabe num telemóvel), como não sabem que são capazes de ter interesses variados e que isso pode ser uma fonte de prazer e contribui para uma vida mais rica. A maioria das pessoas descobre-os já tarde demais na vida justamente porque ninguém se deu ao trabalho e ao esforço de os contrariar na infância e na juventude.
Nós professores, fazemos análise e avaliamos características dos alunos, com base em parâmetros dados que se referem aos objectivos que devem ser atingidos em cada ano de escolaridade tendo em conta a especificidade das disciplinas. Não curamos almas que isso é com o padre cura.
A ideia de que um bom professor é como um bom médico que cura os doentes com o diagnóstico certo, é logo errada e gera expectativas desadequadas. Mesmo quando um aluno parece não ser capaz, nunca sabemos, a não ser em casos em que há condições de saúde específicas associadas, se aquela pessoa está bloqueada, por qualquer razão, se está num ponto do desenvolvimento de mudança de esquemas mentais e por isso, por uns tempos, emperra ou outra coisa qualquer. Quando eles são bons, nós vemos isso e até vemos se têm pendor para a literatura, o desporto, a filosofia, as línguas, a matemática, etc. Mas se não mostram ter essas qualidades, geralmente não sabemos porquê. Podem ter uma organização mental diferente do habitual, por exemplo ou não ter ainda dado um daqueles saltos qualitativos mentais que os vemos dar.
E mesmo quando os alunos revelam essas qualidades, também não sabemos se vão progredir como esperamos. A vida humana e o desenvolvimento estão cheios de rupturas, desvios, obstáculos e isso afecta a aprendizagem, os interesses, etc., e p ortanto, falar desta maneira, como se agora as escolas não tivessem 'capacidades' para 'diagnosticar' e no futuro radioso tivessem e os alunos chegassem a um ponto certo qualquer, parece a linguagem infantil dos planos quinquenais do socialismo soviético e não ajuda a resolver problemas.
2. " e se adequar aos interesses, ritmos e capacidades de cada aluno." Eu não quereria para filhos meus, professores que se adequassem aos interesses deles. Quereria professores que lhes desenvolvessem interesses e capacidades para além dos que já têm e percebo que isso tem o custo de, inicialmente, ser sentido como uma obrigação. As ligações neuronais, quando não são usadas, perdem-se. São caminhos potenciais que não sendo desbravados, fecham-se.
Quando o meu filho entrou na 3ª classe (isto foi na escola europeia de Bruxelas, pouco tempo depois de lá chegarmos) houve uma reunião de pais e fiquei logo com muito boa impressão da professora - via-se perfeitamente que era alguém sério e que sabia o que estava a fazer. Falei com ela no fim da reunião e disse-lhe que pensava que ele não tinha sido bem ensinado em certas dimensões. Pedi-lhe para o observar e depois me chamar. O que ela fez e corroborou e deu-me exemplos, na matemática e na escrita. Pedi-lhe que o corrigisse e que puxasse por ele. Ela avisou-me que ia dar muito trabalho, a ele e a mim. E de facto, foi um sofrimento para ele e para mim, durante seis meses. Não ia ao encontro dos interesses dele, naturalmente... qual é a criança de 8 anos que quer trabalhar nas aulas e depois das aulas durante horas? Ele queixava-se dela porque levava mais trabalhos de casa que os outros (muitos anos mais tarde disse-me que nessa altura pensava que a professora embirrava com ele por lhe dar tantos TPCs) e eu explicava que, estando atrás dos outros tinha que esforçar-se mais, durante uns tempos, para apanhá-los, mas é claro que ele não queria saber disso.
É certo que eu arranjei incentivos, mas lembro-me de ele trazer para casa folhas com 90 exercícios de matemática para levar resolvidos no dia a seguir... sendo verdade que aqueles 90 exercícios, na prática eram mais fáceis de resolver do que parecia, uma vez descobrindo os 3 ou 4 padrões que eles todos seguiam e portanto, esse era o objectivo dos exercícios. E conseguir que ele escrevesse com uma letra legível e sem erros? Foram tardes e às vezes noites massacrantes.
Tinha pena dele mas ao mesmo tempo queria que ele se desenvolvesse ao nível do potencial que eu sabia que tinha de maneira que no futuro, tivesse mais possibilidades de escolha e uma experiência de vida mais rica. Era uma coisa que tinha que ser feita durante uns meses. É como tomar um medicamento ou fazer um tratamento. Tem que ser. Ao fim de seis meses, não apenas apanhou os outros, como no fim do ano era, com outro colega, o melhor da turma e, porque a professora puxava por ele na escola e eu em casa, ele tornou-se, dali para a frente, um excelente aluno, com facilidade em aprender e com muitos interesses na vida.
Entre parêntesis, a importância dos professores primários, é fundamental no percurso dos alunos.
Enfim, este desenvolvimento não se consegue 'indo ao encontro dos interesses dos alunos e capacidades e ritmos'. E começa por causar infelicidade mas, a médio e longo prazo, infeliz é aquele que não tem confiança em si, em virtude de ninguém o ter contrariado nos seus poucos interesses e lhe ter desenvolvido capacidades, aquele que não tem interesses diversificados e recursos internos com que enfrentar as dificuldades e obstáculos da vida e fica condenado a uma vida empobrecida e infeliz, de que só se dá conta, às vezes, já na meia-idade, ou nunca.
Como é que os alunos se podem interessar por coisas diferentes e desconhecidas se ninguém os introduzir nelas? E como é que se introduz alguém num caminho diferente daquele em que está, muito confortável, sem que a pessoa tenha que fazer o esforço de desviar-se para um caminho novo e desconhecido, com obstáculos? E como se faz isso sem forçar, de algum modo?
Por exemplo, no caso do meu filho, o trabalho daquela professora sobre ele, que o chateou muito fê-lo d escobrir o jeito natural para a Matemática, que doutra maneira não teria percebido. Devo dizer, en passant , que os pais faziam imensas queixas dela por ser exigente, ao ponto de fazerem um abaixo-assinado que um dia o representante dos pais levou lá a casa para eu assinar e que eu recusei, obviamente e expliquei-lhe porque é que aquilo era um erro. Ele não estava à esperava e perguntou-me se não queria o meu filho feliz e eu respondi-lhe que sim, mas as coisas não são incompatíveis, não à custa de ficar emburrado e que é normal os miúdos sentirem-se incomodados: é sinal de que estão a ser desafiados. Não percebeu e ficou a pensar que eu era uma má mãe e acusou-me de corporativismo entre professores. Enfim...
Não sabemos, com poucas excepções, os talentos que os alunos têm até eles estarem nos caminhos em que os podem desenvolver e às vezes nem há maneira de saber. A educação não é uma ciência exacta, nem nunca o será. Felizmente!
Imagine-se que o Michael Phelps tinha nascido no início do século XIX. A natação como desporto, não existia. Não se ia à praia, ninguém nadava a não ser que caísse à água e, nesse caso, nadava mais ou menos 'à cão', como se diz. As modalidades da natação são recentes e posteriores ao hábito de ir à praia e fazer desportos naúticos. Portanto, se ele tivesse nascido no início do século XIX, ninguém poderia, nem ele mesmo, ter adivinhado o talento natural dele para essa actividade e se calhar seria considerado um aluno sem grandes capacidades. Portanto, um professor não sabe se a aparente falta de talento ou de interesse de um aluno, se deve a nem sequer haver ainda a actividade para a qual está fortemente vocacionado. Desse modo tem que partir do princípio que quanto mais caminhos abrir, mais são as hipóteses de escolha e de, a médio e longo prazo, aquela pessoa se descobrir e poder desenvolver potencialidades.
Como diz Hegel, pensar que deixar aberta a porta da totalidade, nos faz livres, é errado. A abertura total é claustrofóbica. Diria que na educação corresponde a uma prisão.
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