Kant é um filósofo intencionalista. A moralidade, para ele, reside na intenção da acção e não na sua consequência e, se a intenção não é pura, isto é, independente de qualquer inclinação material, então a acção é imoral. Podemos ver se uma acção é moral universalizando o seu princípio e vendo se queremos o mundo que dele resulta, mais ou menos nestes termos, age sempre de tal modo que a tua máxima possa ser erigida, por tua vontade, em lei universal da natureza, ou seja, queremos que o princípio da nossa acção se torne universal e inescapável, como uma lei da natureza? A esta formulação ele ainda acrescenta outra que diz, age de tal maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, sempre como um fim e nunca como um meio.
Vejamos este caso. O Estado tem o dever legal de proteger os seus funcionários. É assim que os médicos e os enfermeiros e outro pessoal da saúde tem equipamento de protecção especial quando trata de doenças infecciosas, salas à parte para tratar desses doentes e condições especiais; também os bombeiros, por exemplo, têm equipamentos especiais para fazer o seu trabalho que é de elevado risco. Os polícias a mesma coisa: têm equipamentos e condições especiais para poderem fazer o seu trabalho que comporta riscos acima do normal. Na administração pública há regras especiais para proteger os trabalhadores que foram accionadas durante a pandemia. Nas obras públicas, outro exemplo, há uma inspecção que garante que as pessoas trabalham com os equipamentos especiais que lhes dão como protecção preventiva de acidentes. Etc. Ora, os professores em geral não têm nenhuma protecção e, em particular os que são considerados de risco (visados nesta declaração do ministro), isto é, cuja doença ou condições de saúde os os torna mais propensos, seja a adoecer seja a morrer como consequência desta doença infecciosa; pelo mesmo princípio, deviam ter, como os outros trabalhadores de outras profissões com riscos acrescidos, já referidas, direito a protecção especial, seja nos equipamentos, seja nas condições em que exercem o seu trabalho.
Por conseguinte, a máxima que subjaz às declarações do ministro é, 'sempre que tenhas condições de trabalho geradoras de risco agravado, não assumes os teus deveres legais de protecção dos funcionários que correm especial risco de vida'. Ora, queremos que esta máxima do ministro se torne universal e que daqui para a frente o empregador deixe os trabalhadores sem protecção quando as condições de trabalho agravam os riscos de vida? Não, claro, que não. A própria noção de protecção deixava de fazer sentido e tinha que desaparecer dos contratos todos e até da lei, uma vez que se tinha universalizado a não protecção do trabalhador, quando é necessária.
Quanto à segunda formulação é evidente que ele a viola, pois trata os professores não como pessoas em si mas como meios, instrumentos dos seus interesses materiais.
Ou seja, o ministro, seguindo a ética kantiana, é imoral na sua acção. A sua intenção não é boa e a sua acção não passa o crivo do imperativo categórico.
E se seguirmos a ética utilitarista que é consequencialista e diz que a acção é moral se levar a felicidade à maioria das pessoas e imoral se levar a infelicidade à maioria das pessoas? Bem, vejamos, a maioria das pessoas fica feliz por um professor ficar em casa sem poder trabalhar e os seus impostos estarem a pagar um salário, embora com cortes, a um trabalhador em casa mais outro salário ao que o vai substituir? Não me parece. Portanto, também segundo esta ética, a acção do ministro é imoral.
Agora ainda vejo outra questão/dúvida: devemos, nas aulas de moral, digo, cidadania, usar este exemplo de imoralidade quando tem que se falar na educação para o respeito pelos outros, na educação para o respeito pelos que são diferentes? Ou dizemos que deve-se respeitar quem é diferente excepto se forem professores de grupos de risco e, nesse caso, damos o exemplo do ministro?
Ou estou errada?
Sobre as baixas dos professores pertencentes aos grupos de risco da covid-19, Brandão Rodrigues acredita que será possível substituir esses docentes de forma rápida, mas lembra que o ministério “não tem a ficha clínica de todos os seus trabalhadores” – e mesmo que tivesse, os trabalhadores têm “livre-arbítrio” para decidirem se querem continuar a ir trabalhar ou não. (Tiago Brandão)
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