August 16, 2020

Livros - Time of Magicians

 

Apesar do crítico não gostar do livro (veja-se abaixo o que ele diz), parece-me ter uma pesquisa exaustiva biográfica dos autores que merece a pena ler.  

Time of the Magicians: The Invention of Modern Thought, 1919-1929 by [Wolfram Eilenberger]  


O mais recente livro de Wolfram Eilenberger, o fundador da revista, Philosophie Magazin, pinta o retrato de quatro brilhantes jovens filósofos, no rescaldo da Primeira Grande Guerra: Martin Heidegger, Walter Benjamin, Ernst Cassirer e – o único que viu, de facto, alguma acção militar - Ludwig Wittgenstein. Todos inovadores conceptuais mas em direcções diferentes. No fim, a única coisa que tinham em comum era a língua alemã.
Se algum dia se tivessem sentado à mesa de um café teriam desacordado em tudo. No entanto, segundo, Eilenberger, eles estavam unidos pelo 'espírito da época', o que os levou a cortar com os velhos modelos de existência (família, religião, nação, capitalismo) e a construir novos. Para Eilenberger eles são os 'mágicos' que fizeram da época de 1920 a grande época da filosofia. 

Passados estes anos todos, Heidegger e Wittgenstein são mundialmente conhecidos como patronos de duas tribos filosóficas -os sóbrios linguistas analíticos e os wild desconstrutivistas existencialistas- que mal se falam; Benjamin, o marxista místico, tem poucos seguidores, mas de culto e o pobre e velho Cassirer, parece não ter nenhum seguidor.

O abandono deste último não é merecido. Cassirer foi um pensador original, como nota  Eilenberger, embora demasiado urbano para o seu próprio bem. O seu trabalho estava enraizado na noção de Kant segundo a qual o mundo como o experienciamos é moldado pelas formas do pensamento e da sensibilidade humana; desafiou os filósofos a saírem um pouco mais e explorarem o mundo “em todas as direções”, prestando atenção à arte, às imagens e aos mitos, para além dos argumentos abstratos. Em 1919, Cassirer estabeleceu-se numa vida confortável como professor de filosofia na recém-fundada Universidade de Hamburgo e ganhou reconhecimento como um defensor proeminente da democracia alemã.

Em agosto de 1928 a república de Weimar celebrou seu nono aniversário e Cassirer marcou a ocasião com uma palestra pública na câmara municipal de Hamburg. O tema era duplo: embora a constituição da nova república alemã pudesse ocupar o seu lugar na descendência liberal da Magna Carta e das revoluções americana e francesa, também era fruto da tradição intelectual alemã de Leibniz, Kant e Goethe. O discurso foi feito com graça e autoconfiança e saudado com aplausos efusivos.

Acontece que no mês de fevereiro seguinte, a Universidade de Munique sediou um comício para o nacionalista Kampfbund [não sei como é que esta palavra se traduz] da juventude alemã. Suásticas por todo o lado. Houve uma ovação estridente quando Hitler e a sua comitiva entraram no salão. O filósofo vienense Othmar Spann fez um discurso sobre a “crise cultural do presente”, argumentando que a filosofia alemã estava sendo traída por um grupo muito unido de “estrangeiros”, nomeadamente, Cassirer. Cassirer era o mais alemão possível, não apenas por nascimento, mas também por educação, cultura e vocação, mas Spann - auxiliado por um aperto de mão e uma reverência de Hitler - considerou seu dever revelar que Cassirer era judeu, logo, não alemão.

Cassirer parece ter ficado impassível: não conseguia acreditar que um país civilizado cairia nas mentiras de palhaços populistas. Um mês depois, em março de 1929, foi para a estação de esqui suíça de Davos para um seminário de duas semanas sobre Kant, que ele lideraria em colaboração com o líder de uma nova geração de professores de filosofia, Martin Heidegger. Cassirer passou grande parte da quinzena cuidando de um resfriado, enquanto Heidegger subia pelas encostas com habilidade consumada; mas eles deram-se muito bem e encerraram os procedimentos com um debate. Cassirer aproveitou a oportunidade para elogiar Kant como um filósofo do infinito segundo o qual a humanidade está constantemente a esforçar-se por chegar a uma iluminação que nunca alcançará, enquanto Heidegger apresentou Kant como testemunha, apesar de si mesmo, de um "abismo" sob o trono polido de razão. O confronto foi um tanto rígido - “dois monólogos falados”, como disse um observador - mas também cortês, até mesmo cordial: um genuíno encontro de mentes, com uma séria diferença de opinião.

As entranhas do debate de Davos foram revolvidas muitas vezes, geralmente com uma retrospectiva portentosa: dentro de quatro anos, Cassirer encontraria refúgio na Inglaterra, enquanto Heidegger se tornava um nazi pago. Mas Eilenberger prefere manter os anos 20 dourados quando, a seu ver, Cassirer e Heidegger, junto com Benjamin e Wittgenstein, estavam essencialmente dançando a mesma melodia filosófica.

Não é uma história vulgar, mas Eilenberger conta-a com grande entusiasmo. Começa afirmando que os seus quatro filósofos se colocam todos na mesma "questão fundamental", ou seja, "o que é que a linguagem nos faz?" Em aparente concordância com Wittgenstein, partiram em busca de "uma linguagem subjacente a todo discurso humano" - "um unificador, uma linguagem primordial por detrás de todas as línguas e todos os significados ”.

Eilenberger apela aquilo que chama de “o espírito dos anos 1920”, que segundo ele envolvia espanto com a indefinição do tempo, ansiedade sobre os efeitos desumanizadores da ciência e espanto com “o nascimento de uma era de comunicação global”. No entanto, ele deve estar ciente de que dificilmente houve uma década nos últimos 500 anos que não pudesse ser descrita da mesma forma. 

Eilenberger amarra os seus mágicos por meio de conversas biográficas, passa rapidamente de uma vida para outra, nunca se esquivando da especulação sexual, e resume os seus resultados em títulos de capítulos alegres: "Heidegger está ansioso para uma luta, Cassirer está fora de si, Benjamin dança com Goethe e Wittgenstein procura um ser humano ”, por exemplo, ou“ Benjamin chora, Heidegger gera, Cassirer se torna uma estrela e Wittgenstein uma criança ”.

Eilenberger é uma presença benigna na Alemanha, onde fundou uma popular revista filosófica e publicou livros generalistas, além de promover a “filosofia para todos” nas redes sociais, rádio e TV. Mas a popularização filosófica é uma arma de dois gumes: pode incitar-nos a ler os grandes livros, mas também pode levar-nos simplesmente à gratidão por um popularizador ter se aventurado no seu escuro interior para que não tenhamos nós que o fazer.

Uma coisa que Eilenberger parece não perceber é que a maioria dos filósofos prefere morrer esquecido numa valeta do que receber ordens do “espírito da época” e o que eles fazem é tudo menos magia: é um árduo esforço com muita edição.  Como dizia Wittgenstein, “It’s damned hard to write things that make blank sheets better!”

Time of the Magicians é um best-seller premiado na Alemanha e está a ser traduzido para 24 idiomas. Bem, isso realmente soa como mágico - o tipo de sucesso que Cassirer, Heidegger, Wittgenstein e Benjamin não poderiam ter esperado nem nos seus sonhos mais selvagens.

 no Guardian (tradução minha)

No comments:

Post a Comment