Já é o segundo. Mais um e ainda começo a usar a palavra fofo nas aulas e os alunos percebem que enlouqueci e fogem... ahah no way 😁
À primeira vista, o filme parece ser mais um daqueles romances de perlimpimpim. Fui ver as críticas do filme e havia muitas negativas pelo facto do filme ter como um dos dois personagens principais um tetraplégico e não se dedicar a explorar os seus problemas e, ainda por cima, no fim do filme, o personagem vai à Suíça fazer um suicídio assistido de modo que disseram que promovia a desvalorização das pessoas com essa incapacidade. Só que o filme não é sobre deficientes. O filme é sobre a vida, sobre pessoas e sobre o amor e como transforma as pessoas.
Spoiler alert - a premissa do filme é simples: um indivíduo cheio de dinheiro, de 31 anos, filho dos donos do castelo lá da terra, com imenso sucesso na banca, uma vida muito activa e cosmopolita, praticante de desportos, giro que se farta e com namoradas a condizer, é atropelado parvamente e fica tetraplégico. Faz terapia intensiva, mas inutilmente, durante um ano e depois percebe que aquilo é o melhor que pode esperar.
A namorada, muito pragmática, deixa-o pelo melhor amigo dele. O indivíduo está num estado destrutivo e tentou matar-se. Recuperam-no mas ele diz aos pais que não quer viver assim e combina dar-lhes seis meses antes de acabar com a vida. A mãe, desesperada, diz que sim para ganhar tempo e põe-se à procura de alguém que lhe faça companhia e o anime, na esperança que ele mude de ideias.
É assim que aparece a rapariga no filme, uma de duas irmãs que sustentam, com empregos muito precários, uma mãe que não trabalha e um pai desempregado de uma família de classe média baixa, muito amorosa mas caótica. A rapariga acaba por ficar com esse trabalho de ser assistente dele -ele tem um enfermeiro fisioterapeuta- e fazer-lhe companhia. Portanto a premissa do filme parece simples: uma rapariga tenta salvar um tetraplégico de se suicidar. Só que na verdade é ele quem a salva, embora ela também o salve, porque onde há amor há uma transmutação. Se não há é porque não o era.
Eles são pessoas muito diferentes. Ele é um snob com a mania de superioridade que acha não ter nada para aprender com ela, um rapariga de classe média que nem curso tirou e trabalha a servir em cafés. Só que ela é uma rapariga (26 anos) insegura, mas muito inteligente e genuína, que diz tudo o que pensa e não consegue esconder o que sente e ele nunca conheceu ninguém como ela. O meio em que ele se movia é de gente hipócrita e calculista e a maneira dela ser, optimista, motivada, dinâmica e com uma capacidade de alegria contangiante que lhe diz exactamente o que pensa em vez de o tratar como um coitadinho deficiente, tem um tremendo impacto nele. Mostra-lhe uma dimensão da vida e das pessoas com a qual nunca tinha contactado.
Ele percebe o potencial dela, percebe que ela está presa a uma família sem dinheiro, sem perspectivas, sem horizontes culturais e assume essa tarefa de a libertar dos condicionalismo da sua educação e abrir-lhe horizontes e possibilidades que ela nunca teve nem teria, presa a um namorado muito limitado que não a percebe nem valoriza. Ela a certa altura deixa esse namorado e ele não percebe porquê e diz-lhe: estamos juntos há sete anos e só o conheces há cinco meses. Pois, só que nem numa vida inteira o namorado conseguia perceber nela o que o outro percebeu em duas semanas.
Ele não quer saber da enorme diferença que os separa e começa a sair com ela e vai com ela para todo o lado: a concertos, a casa dela e inclusive ao casamento da ex-namorada com o ex-melhor amigo para quem ele agora olha e vê para além das aparências: pessoas superficiais, sempre em pose, sem princípios, hipócritas, calculistas. Essa sequência do casamento da ex-namorada é muito boa porque ele está já tão transformado que aquilo não o atinge como atingiria, antes de a ter conhecido e aquele mundo falso já não lhe diz nada. Passa a apreciar as pessoas pelo que são.
Por outro lado, ela não quer saber da condição dele. Está completamente fascinada por ele e pelo olhar dele sobre ela: o que ele vê nela, o mundo mental e cultural que ele lhe abriu e aquele companheirismo genuíno entre os dois.
Tornam-se companheiros, no sentido verdadeiro e não convencional do termo. Ambos se transformam em outras pessoas, melhores pessoas, que se descobrem em dimensões que não sabiam ter por causa do outro. O filme é muito bom a mostrar isso: como o amor, aquele sentimento que se enraíza e é avassalador como um terramoto (não falo de paixão nem de entusiasmos) nos transforma em outras pessoas de um modo definitivo, permanente. Muda-nos o olhar sobre as pessoas e a realidade.
Afinal é ele quem a salva de uma vida no fundo da caverna, como dizia Platão. Ela também o salva de uma vida revoltado, rancoroso, miserável, sozinho. Ela deu-lhe a possibilidade de voltar a sentir-se útil e valorizado. No fim ele escolhe morrer porque não quer ser o tipo de homem que aceita uma vida de total dependência onde não tem nenhum poder de escolha, porque acha que a vida é para ser vivida em todo o potencial e não pela metade. Também porque não quer ser uma limitação na vida e possibilidades dela.
Ninguém percebe a opção dele, e ela muito menos: que ele escolha acabar com a vida naquele momento. É o pai dela que lhe diz uma frase de grande sabedoria: não podemos esperar mudar as pessoas, o mais que podemos fazer é amá-las.
O título do filme, Me Before You, refere-se a ambos: o que cada um era antes de se conhecerem. O impacto que de vez em quando, muito raramente, algumas pessoas têm nas outras.
O filme pode ver-se como o imenso potencial de muita gente que está desidratada como os tardígrados e precisa de condições favoráveis para desenvolver vida, mas infelizmente, nunca encontram essas condições favoráveis porque são raras ou encontram mas não as reconhecem e deixam-nas passar.
Enfim, um filme que parece ser só um romance mas é muito mais que isso. É um filme que faz pensar em muitas dimensões da vida - mas mushy :)) é difícil ver o fim do filme 'des-emocionado'.
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