August 20, 2020

A Psicologia está ainda na idade da 1ª infância

 


... e isso até se nota na maneira dos psicólogos falarem. Quando ele diz que o desejo de morrer tem sido associado a factores de ordem psicológica para além dos físicos e sociais, dá a entender que o nosso aparelho psíquico é um acessório intermitente. Nós somos seres bio-psico-sociais e todas as nossas decisões têm por base factores psicológicos porque não acontece deixarmos o nosso psiquismo à porta do quarto como quem pendura um casaco que não precisa naquele dia. 

Falar na decisão da pessoa ser a sua 'vontade real' é infantil... nunca em circunstância alguma sabemos a 'vontade real' das pessoas, se é que isso, sequer, existe. Ou o quê? O psicólogo vai dizer à pessoa que não, que ela não quer morrer porque está deprimida e essa não é a sua vontade real? O psicólogo é que vai decidir o que é a vontade real da pessoa?  E se é do seu interesse? Se eu comprar uma casa estando deprimida a compra não foi da minha vontade? Quando é que a minha vontade é 'real'? Quando estou em estado positivo? O negativo não é real? E os psicólogos e outros que querem decidir se as pessoas estão a decidir 'no seu interesse' (expressão sem sentido neste contexto) são imunes à depressão e a ideologias ou dogmas que interferem no juízo dos outros?

O respeito pela dignidade humana inclui o respeito pela sua autonomia.

Finalmente, as pessoas não têm o 'desejo' de morrer. O que acontece é as pessoas encararem a morte como um mal menor quando comparado a uma vida intolerável. Outro dia, a propósito de um filme com um tetraplégico, fui saber quem era a autora do livro e descobri que a inspiração dela para o livro foi um caso que aconteceu de um rapaz que teve um acidente, ficou tetraplégico e levou 6 anos a convencer os pais a ajudarem-no a morrer porque a vida naquele grau de dependência lhe era completamente intolerável.

As pessoas não são iguais: o Stephen Hawking viveu tetraplégico, outras pessoas escolheriam não viver naquelas condições.

Dito isto, estou de acordo que deve haver lugar para a intervenção do psicólogo no sentido de 'partilhar, pelo mínimo, dúvidas e angústias' mas não para irem piorar a vida das pessoas com obstáculos e moralismos desajustados à situação.


Morte antecipada: o que falta?

Miguel Ricou

O Parlamento aprovou, em fevereiro, a possibilidade de antecipar a morte de alguém, a seu pedido, em situações de doença incurável, terminal ou não.

Nesta altura, o Parlamento tem a oportunidade de construir uma lei que poderá vir a constituir-se como uma referência a nível mundial, sobretudo se conseguir compreender que a maior complexidade reside na tomada de decisão.

Deveria ser claro para todos que o que está em causa não é se deverá aceitar-se a decisão de alguém de morrer, mas sim se essa decisão representa a vontade real da pessoa e, sobretudo, o seu melhor interesse.

Custa, por isso, compreender como é que os psicólogos não têm sido incluídos nesta discussão. O desejo de morrer, além de fatores de ordem física e social, tem sido frequentemente associado a fatores de ordem psicológica. Não no sentido de aprovar, ou não, o pedido de alguém para morrer, mas porque parece inimaginável que alguém em enorme sofrimento não realize um processo de acompanhamento que lhe permita partilhar, pelo mínimo, dúvidas e angústias.

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