Em 1793, Jacques Louis David,o pintor oficial da Revolução Francesa, pintou A Morte de Marat o propagandista revolucionário, como um tributo ao seu amigo assassinado.
O assassinato deu-se durante o Terror da Revolução Francesa e a representação de David foi usada como propaganda jacobina. Marat foi morto por Charlotte Corday (à punhalada), que conseguiu entrar em sua casa com a promessa de lhe ir contar podres dos inimigos da revolução. Ele é representado na banheira porque sofria de um problema de pele e estava no meio do tratamento. O papel que ele tem na mão a pingar de sangue mostra um pedido de ajuda de Corday e é ali posto como prova da sua traição.
David inspirou-se em Caravaggio. Durante a revolução, que em parte também foi contra a igreja, a iconografia religiosa estava proibida, mas Caravaggio ajudou Marat a aparecer como um mártire.
Caravaggio, Entombment of Christ (1603). Collection of the Vatican Museum.
Caravaggio, Mary Magdalen in Ecstasy (1610). Image via Wikimedia Commons.
No entanto, durante muitos anos, quem foi celebrada foi Corday e não Marat. No quadro de David ela não é representada. No julgamento ela alegou tê-lo morto para parar o Reino de Terror que ele instigava. Matei um homem mas salvei cem mil, disse ela, antes de ser enviada para a guilhotina. Foi o seu último desejo, ser retratada. Quem o fez foi Jean-Jacques Hauer, da guarda-nacional, umas horas antes da execução.
Jean-Jacques Hauer, Charlotte Corday (1793). Courtesy of Wikimedia Commons.
Nas décadas que se seguiram David teve que esconder o quadro de Marat pois ela era objecto de admiração, de poesia, de pinturas. Em meados do século XIX chamavam-lhe O Anjo do Assassinato.
Paul Baudry põe-a dentro da cena do assassinato em 1860.
Paul Jacques Aimé Baudry, Charlotte Corday After the Murder of Marat (1860). Courtesy of Wikimedia Commons.
Jean-Joseph Weerts também pinta O Assassinato de Marat (1880), pondo Corday frente a uma horda de revolucionários em fúria.
Jean-Joseph Weerts, The Assassination of Marat (1880). Image via Wikimedia Commons.
A famosa pintura de David esteve numa certa obscuridade até à sua morte em 1825. A família até tentou vendê-la, sem sucesso. Foi Baudelaire, considerado um dos primeiros críticos de arte, bem como um poeta modernista que revigorou o interesse do público pela obra. Em 1846, depois de ver uma pequena exposição de obras de David e Ingres em Paris, escreveu uma ode à pintura que punha a sua verdade emocional acima das políticas do dia.
"O divino Marat, um braço caído para fora da banheira segurando frouxamente a sua última pena, o peito perfurado pela ferida sacrílega, acaba de dar o último suspiro. Na mesa verde colocada diante dele, a mão ainda segura a carta pérfida: "Cidadão, basta que eu esteja muito infeliz para ter direito à sua benevolência"; a água da banheira tingiu-se de sangue, o papel ensanguentado; no chão, uma grande faca de cozinha encharcada de sangue; sobre um suporte miserável de pranchas que compunham a mobília de trabalho do incansável jornalista, lê-se: A Marat, David. Todos esses detalhes são históricos e reais, como um romance de Balzac; o drama está lá, vivendo em todo o seu horror lamentável, e por um estranho tour de force que torna essa pintura a obra-prima de David e uma das grandes curiosidades da arte moderna, não tem nada de trivial ou ignóbil.
O mais surpreendente desse poema incomum é que ele é pintado com extrema velocidade e, quando pensamos na beleza do desenho, há algo que confunde a mente. Este é o pão dos fortes e o triunfo do espiritualismo; cruel como a natureza, este quadro tem todo o perfume do ideal. Que fealdade apagou a santa Morte tão rapidamente da ponta de sua pena? Marat agora pode desafiar Apolo, a morte acabou de beijar seus lábios amorosos e ele descansa na calma da sua metamorfose. Há algo de terno e pungente nesta obra; no ar frio desta sala, nas suas paredes frias, em torno deste banho frio e fúnebre, uma alma esvoaça. Permitem-nos, políticos de todos os partidos, e vocês, liberais ferozes de 1845, abrandar diante da obra-prima de David? Essa pintura foi um presente à pátria chorosa e as nossas lágrimas não são perigosas."
Baudelaire, Le musée classique du Bazar de Bonne-Nouvelle - (tradução minha - daqui)
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