July 14, 2020

No dia da Bastilha II - O assassinato de Marat



O assassinato de Marat definiu a Revolução Francesa



‎Jacques-Louis David, Death of Marat (1793). Collection of Royal Museums of Fine Arts of Belgium.
‎Jacques-Louis David, Death of Marat (1793). Collection of Royal Museums of Fine Arts of Belgium. 
Em 1793, Jacques Louis David,o pintor oficial da Revolução Francesa, pintou A Morte de Marat o propagandista revolucionário, como um tributo ao seu amigo assassinado. 

O assassinato deu-se durante o Terror da Revolução Francesa e a representação de David foi usada como propaganda jacobina. Marat foi morto por Charlotte Corday (à punhalada), que conseguiu entrar em sua casa com a promessa de lhe ir contar podres dos inimigos da revolução. Ele é representado na banheira porque sofria de um problema de pele e estava no meio do tratamento. O papel que ele tem na mão a pingar de sangue mostra um pedido de ajuda de Corday e é ali posto como prova da sua traição. 


David inspirou-se em Caravaggio. Durante a revolução, que em parte também foi contra a igreja, a iconografia religiosa estava proibida, mas Caravaggio ajudou Marat a aparecer como um mártire.


Caravaggio, Entombment of Christ (1603). Collection of the Vatican Museum.
Caravaggio, Entombment of Christ (1603). Collection of the Vatican Museum.

Caravaggio, <em>Mary Magdalen in Ecstasy</em> (1610). Image via Wikimedia Commons.
Caravaggio, Mary Magdalen in Ecstasy (1610). Image via Wikimedia Commons.

No entanto, durante muitos anos, quem foi celebrada foi Corday e não Marat. No quadro de David ela não é representada. No julgamento ela alegou tê-lo morto para parar o Reino de Terror que ele instigava. Matei um homem mas salvei cem mil, disse ela, antes de ser enviada para a guilhotina. Foi o seu último desejo, ser retratada. Quem o fez foi Jean-Jacques Hauer, da guarda-nacional, umas horas antes da execução.


Jean-Jacques Hauer, Charlotte Corday (1793). Courtesy of Wikimedia Commons.
Jean-Jacques Hauer, Charlotte Corday (1793). Courtesy of Wikimedia Commons.

Nas décadas que se seguiram David teve que esconder o quadro de Marat pois ela era objecto de admiração, de poesia, de pinturas. Em meados do século XIX chamavam-lhe O Anjo do Assassinato.

Paul Baudry põe-a dentro da cena do assassinato em 1860. 

Paul Jacques Aimé Baudry, <em>Charlotte Corday After the Murder of Marat </em> (1860). Courtesy of Wikimedia Commons.
Paul Jacques Aimé Baudry, Charlotte Corday After the Murder of Marat (1860). Courtesy of Wikimedia Commons.

Jean-Joseph Weerts também pinta O Assassinato de Marat (1880), pondo Corday frente a uma horda de revolucionários em fúria.

Jean-Joseph Weerts, <em>The Assassination of Marat</em> (1880). Image via Wikimedia Commons.
Jean-Joseph Weerts, The Assassination of Marat (1880). Image via Wikimedia Commons.

A famosa pintura de David esteve numa certa obscuridade até à sua morte em 1825. A família até tentou vendê-la, sem sucesso. Foi Baudelaire, considerado um dos primeiros críticos de arte, bem como um poeta modernista que revigorou o interesse do público pela obra. Em 1846, depois de ver uma pequena exposição de obras de David e Ingres em Paris, escreveu uma ode à pintura que punha a sua verdade emocional acima das políticas do dia.


"O divino Marat, um braço caído para fora da banheira segurando frouxamente a sua última pena, o peito perfurado pela ferida sacrílega, acaba de dar o último suspiro. Na mesa verde colocada diante dele, a mão ainda segura a carta pérfida: "Cidadão, basta que eu esteja muito infeliz para ter direito à sua benevolência"; a água da banheira tingiu-se de sangue, o papel ensanguentado; no chão, uma grande faca de cozinha encharcada de sangue; sobre um suporte miserável de pranchas que compunham a mobília de trabalho do incansável jornalista, lê-se: A Marat, David. Todos esses detalhes são históricos e reais, como um romance de Balzac; o drama está lá, vivendo em todo o seu horror lamentável, e por um estranho tour de force que torna essa pintura a obra-prima de David e uma das grandes curiosidades da arte moderna, não tem nada de trivial ou ignóbil.
O mais surpreendente desse poema incomum é que ele é pintado com extrema velocidade e, quando pensamos na beleza do desenho, há algo que confunde a mente. Este é o pão dos fortes e o triunfo do espiritualismo; cruel como a natureza, este quadro tem todo o perfume do ideal. Que fealdade apagou a santa Morte tão rapidamente da ponta de sua pena? Marat agora pode desafiar Apolo, a morte acabou de beijar seus lábios amorosos e ele descansa na calma da sua metamorfose. Há algo de terno e pungente nesta obra; no ar frio desta sala, nas suas paredes frias, em torno deste banho frio e fúnebre, uma alma esvoaça. Permitem-nos, políticos de todos os partidos, e vocês, liberais ferozes de 1845, abrandar diante da obra-prima de David? Essa pintura foi um presente à pátria chorosa e as nossas lágrimas não são perigosas."

Baudelaire, Le musée classique du Bazar de Bonne-Nouvelle - (tradução minha - daqui)
fonte: artigo de Katie White, July 14, 2020

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