May 05, 2020

Mário Quintana, que tão bem vestia a língua portuguesa, faleceu neste dia



Ah, esses moralistas... Não há nada que empeste mais do que um desinfetante! (Mario Quintana)


Mário Quintana, poeta, escritor e tradutor brasileiro. Quis ver o semblante do poeta. Às vezes parece que se vê na cara ou nos olhos das pessoas um reflexo do universo interior...

A tradução da obra, Em Busca do Tempo Perdido da edição Livros do Brasil, que tenho, é dele. Descobri que assinalei as passagens que mais gostei na primeira vez que li os livros. É interessante isto de pegar num livro que se leu há muito tempo e descobrir, pelas passagens assinaladas, o que é que, então, nos impressionava ou em que fase da evolução vivencial estávamos.

Descobri mais tarde, ao reler partes da obra, como esta tradução do Mário Quintana é preciosíssima. Quando lemos os livros ainda em idade nova (como eu li estes aos dezasseis ou dezassete anos), se gostamos deles, não ligamos ainda à forma da escrita em virtude de estarmos mais preocupados com o progredir das personagens na trama do livro. Mais tarde, como agora, já lemos os livros como quem percorre um caminho, sem pressas, fazendo paragens para apreciar a paisagem, que é arte literária do autor.

Pois é nesse passear que me apercebo da riqueza da tradução de Quintana. Esta é uma obra que necessita de um grande tradutor: grande no conhecimento da língua, na riqueza do vocabulário e na intuição da intenção do autor, porque Proust tem grande requinte literário. É capaz de dedicar uma página inteira a descrever os espargos acabados de apanhar, nos seus tons de irisação róseos e azulados, ou a a leitura que faz do olhar do sr. Legrandin a contrariar as palavras que diz acerca do desinteresse que tem pelos Guermantes.

Este é um livro que se saboreia devagar e com intenso prazer o que, em enormíssima parte, se fica a dever à belíssima tradução de Mário Quintana.

É também a ler estas grandes obras que ficamos com pena que tenham tirado dos currículos escolares as obras dos grandes autores porque a lê-los o mundo torna-se mais rico em detalhes, em pormenores, em cores e aromas e mais densamente humano, nos sentimentos, nos pensamentos e em todas as virtudes e vícios que lhe são próprios.

2 comments:

  1. Os olhos dele revelam uma grande inquietação, não achas?
    Quanto ao Proust, também o li por essa idade...e tenho-o na mesa de cabeceira. Mas ando muito agitada. Não me consigo concentrar na leitura.....

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  2. Parece-me mais um olhar desiludido, mas como não sou boa a ler as emoções na cara dos outros, talvez tenhas razão.

    Tens que encontrar uma leitura que acalme. Pessoalmente, acho a poesia uma grande ajuda.

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