May 08, 2020

Bom dia, poesia



"Nada tão silencioso como o tempo
no interior do corpo. Porque ele passa
com um rumor nas pedras que nos cobrem,
e pelo sonoro desalinho de algumas árvores
que são os nossos cabelos imaginários.


Até na íris dos olhos o tempo
faz estalar faíscas de luz breve.

Só no interior sem nome do nosso corpo
ou esfera húmida de algum astro
ignoto, numa órbita apartada,
o tempo caladamente persegue
o sangue que se esvai sem som.

Entre o princípio e o fim vem corroer
as vísceras, que ocultamos como a Terra.

Trilam os lábios nossos, à semelhança
das musicais manhãs dos pássaros.

Mesmo os ouvidos cantam até à noite
ouvindo o amor de cada dia.
A pele escorre pelo corpo, com o seu correr
de água, e as lágrimas da angústia
são estridentes quando buscam o eco.

Mas nós sentimos dentro do coração 

que somos filhos dilectos do tempo 
e que, se hoje amamos,
foi depois de termos amado ontem.


O tempo é silencioso e enigmático
imerso no denso calor do ventre.

Guardado no silêncio mais espesso,
o tempo faz e desfaz a vida."


Fiama Hasse Pais Brandão
in Cenas Vivas



Fotografia: arturcarvalho - Instagram
Praça do Município, Lisboa

















via mar da palha

2 comments:

  1. Mais bonita vista de cima....

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  2. Eu gosto muito da Praça do Município. Às vezes está é cheia de tendas e coisas que a estragam.

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