April 20, 2020
Pensamentos de dois melréis
O ser humano é um edifício. Construído, umas vezes por arquitecto, outras, a maioria, por curiosos. Umas vezes com muito cuidado, outras à força de martelo. Tem um espaço interior que engloba vida, contradições, contexto. Alguns edifícios são térreos e pequenos, outros estendem-se; outros ainda têm muitos andares virados para o céu. Alguns têm os andares subterrâneos, com caves, corredores labirínticos, passagens secretas, salas sem saída. Alguns têm poucos móveis e objectos, só o essencial, outros têm muitos objectos; alguns têm objectos caros e instrutivos, outros baratos e inúteis; uns têm tudo arrumado, outros tudo caótico. Uns cuidam de ter o edifício limpo por dentro, outros acumulam objectos e depois atiram-nos para a cave ou para o lixo, e compram outros novos para encher o vazio, até terem tantos que os desvalorizam e ignoram e perdem-se na busca. Uns são obcecados por terem o edifício limpo ao ponto de não deixar entrar ninguém. Outros não deixam entrar ninguém para não verem que não são perfeitos. Uns têm muitas janelas sempre abertas, outros têm poucas ou quase nenhuma janela e sempre fechadas. Uns têm a casa forrada a espelhos e não querem que ninguém veja; uns têm medo de sair, outros têm medo da luz, outros ainda têm medo que alguém entre e mude objectos de lugar ou ocupe e controle algum espaço. São os que fecham as janelas para não se ver nada lá para dentro. Outros abrem as janelas e deixam que os outros espreitem lá para dentro. Alguns convidam toda a gente lá para dentro, com a porta sempre aberta, outros escolhem com cuidado quem convidam, com quem partilham a vida. Uns são edifícios escuros com paredes exteriores de cores alegres, outros têm cores alegres por dentro e são escuros por fora, como os vitrais. Uns poucos rejeitam o contexto, desconstroem-se e reconstroem-se em outro lugar, com nova estrutura. Alguns não têm estrutura sólida e é perigoso aproximarmos-nos deles. Há edifícios extravagante e originais e há edifícios construídos em banda, iguais a muitos milhares de outros. Quando a vida interior morre, não desaparecem, transformam-se em outras construções com outras vidas.
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