April 16, 2020

Leituras pela manhã - a atracção pelo silêncio e o desejo do outro



The Babylonian Story of the Flood [trans. W. G. Lambert and A. R. Millard] contains the lines:
“When the land extended and the peoples multiplied […]
The god got disturbed with their uproar.
Enlil heard their noise
And addressed the great gods,
‘The noise of mankind has become too intense for me,
With their uproar I am deprived of sleep...’”

Na Antiguidade o silêncio aparece como o primeiro sinal de uma situação em que o homem se encontra no limite, entre o impossível e o desconhecido. Aparece, por exemplo, quando alguém experencia um sofrimento tão terrível que os sentidos, a certa altura, deixam de conseguir registá-lo. Falamos de uma dor mental, mais que física.

Ovídio mostrou-o em, Metamorfoses. A personagem, Hecuba, mulher de Priam, Rei de Tróia, tinha como fado experienciar o pior de tudo, em tudo. Tendo sido uma rainha cheia de orgulho e mãe de muitos filhos, viu a destruição de Tróia, a morte de seu marido e filhos e a desonra das filhas e noras, violadas e levadas como cativas pelos gregos vitoriosos. Viu a morte de seu neto, Astyanax, atirado da muralha da cidade conquistada. Viu a filha, Polyxena, sacrificada no túmulo de Aquiles. Viveu na esperança de que, pelo menos um dos seus filhos tivesse sobrevivido à exterminação, pois antes da guerra tinha enviado o jovem Polydorus para o seu amigo, o Rei da Trácia.

Pois o seu filho também foi morto traiçoeiramente e o seu corpo atirado ao mar. O momento em que Hecuba toma conhecimento deste facto é descrito por Ovídeo: [trad. A. S. Kline]: "Ela viu o corpo de Polydoro na praia, coberto das feridas abertas infligidas pelas lanças trágicas. As mulheres troianas choravam mas ela estava imóvel de dor. A dor retirava-lhe ao mesmo tempo, o poder da palavra e as lágrimas que jorravam interiormente e ela mantinha-se imóvel como uma rocha, com o olhar, ora fixo no chão, ora virado para o céu. Ora olhava o rosto de seu filho morto, ora as suas feridas..."

O poeta contrasta os gritos desesperados das mulheres troianas com o silêncio com que a mãe olha o corpo morto do seu último filho. Para pessoas criadas no ruído constante este silêncio é o sinal de um sofrimento para além de todos os limites. Não admira que o silêncio tenha sido transferido para lá dos limites humanos, para o mundo dos deuses.

“the sea is silent, and silent are the winds; / But never silent is the anguish here within my breast...” (Simaeta por Teócrito)

Na Antiguidade o silêncio tem 3 dimensões metafísicas: existe no mundo dos mortos, o Hades, no mundo dos sonhos, Hipnos para os gregos (Somnus para os latinos) e no mundo do Norte com os seu frios ventos. Para o mundo mediterrâneo o Norte aparece como uma terra de trevas e frio. As florestas profundas e escuras, cheias de seres medonhos, bárbaros, fora dos limites da civilização. Durante meses, as terras mergulhadas no silêncio imóvel do gelo e da neve.

O Homem da Antiguidade que vivia na realidade do barulho e da comoção, por um lado desejava o silêncio, que associava aos deuses e às dimensões metafísicas, por outro lado temia-o, porque relacionava-o com a noite, o sono, a morte e o sombrio Norte. O silêncio era causa de ansiedade e de uma multitude de sentimentos contraditórios.


Paweł Janiszewski, translated by Kate Webster (excertos, traduzidos por mim) in Oh Silence, Oh Deathly Silent Uproar!* 

* In the original: “Oh Schweigen, oh todtenstiller Lärm!” – Friedrich Nietzsche, Dithyrambs of Dionysus.

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