March 02, 2020

Uma nova forma de autocracia mascarada de democracia



Em Março de 2018 na Flórida, Trump, dirigindo-se a uma assembleia de financiadores disse uma espécie de piada acerca das emendas recentes que a China tinha feito à sua Constituição para remover os limites de tempo do mandato presidencial, o que permite a Xi Jinping prolongá-lo indefinidamente:
Ele é agora presidente para a vida. E ele é óptimo. Se calhar, um dia, devíamos experimentar. Foi bastante aplaudido. Trump já disse várias vezes esta 'piada'.
 O que ele diz como piada já outros fizeram a sério: Putin fez grandes reformas constitucionais de modo a enfraquecer o cargo de presidente e fortalecer o de primeiro-ministro, que claramente quer manter.

Num estudo original, documenta-se, desde o ano 2000, as estratégias dos líderes para se prolongarem no poder, coisa que é muito comum, para além do termo dos mandatos: um terço dos presidentes tenta-o e, desses, dois terços consegue-o. O que é interessante é o modo sofisticado e legalista que usam para o fazer, por oposição às antigas estratégias de usar a força dos militares e instaurar uma ditadura.

Há quatro estratégias básicas que são usadas para este fim: a primeira e mais comum (66% dos casos) é fazer emendas à Constituição que prolonguem os termos do mandato ou eliminem os limites. Foi o caso recente da China e do Rwanda. 
A segunda (8%) é criar uma Constituição completamente nova que substitui a anterior. Foi o caso do Sudão. 
A terceira (15%), com bastante sucesso na América Latina, desafia, em tribunal, a legalidade dos limites do mandato. Foi o caso de Ortega na Nicarágua, por exemplo. 
A quarta, também com cerca de 15%, consiste em fazer eleger um presidente fantoche, como fez Putin com Dmitry Medvedev para continuar a governar para lá do termo do mandato. 
Finalmente, uma pequena porção de presidentes mantém-se no cargo adiando a data das eleições, mas é um risco porque isso é visto como autoritarismo. Um terço de todas as tentativas de se prolongarem nos cargos com estes esquemas, falhou redondamente.

No entanto, e é aqui que reside o perigo, as estratégias legalistas e constitucionais são vistas como fazendo parte da democracia, como sendo democráticas. Uma nova geração de autocratas aperfeiçoou a arte de parecerem políticos democráticos enquanto perseguem os seus objectivos de poder autoritário. Se sucedem ou não depende dos cidadãos perceberem e levarem a sério essa ameaça ao ponto de fazer qualquer coisa que a impeça.

The World Is Experiencing a New Form of Autocracy by Tim HorleyAnne Meng and Mila Versteeg
(síntese e tradução minhas)

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