A vulnerabilidade das pessoas, por doença ou velhice, favorece estados depressivos e de abandono que podem propiciar a fantasia da morte. Tendo em conta o horrível que é a solidão, e tendo em conta o horrível de muitas famílias, pouco solidárias ou disfuncionais, confusas ou oportunistas, imagino bem que pelo cansaço ou pela fúria, por vingança ou ganância, muitos elegíveis para a eutanásia se verão encurralados, como se pedir a morte fosse a única coisa decente a fazer.
Horroriza-me que, aberta a oportunidade institucional de morrer, usemos a morte como resposta obrigatória para aqueles que viveriam apaziguados num contexto de cuidado e carinho.
Não sou, naturalmente, contra a opção lúcida de alguém que, assistido por uma bateria de médicos especialistas, encontre apenas na morte uma solução. Não posso ser contra a liberdade das pessoas de mente saudável.
A discussão sobre a eutanásia não é fácil e está muito minada por petições de princípio.
Há argumentos de derrapagem, que são falácias de argumentação. Dizem mais ou menos o seguinte: se aprovarmos a eutanásia em breve estamos a matar criancinhas. Fazem crer que há um encadeamento de acções determinista desde que se aprova a eutanásia que leva, necessariamente, à morte indiscriminada de qualquer um. Como se a lei não pudesse, e devesse, incluir restrições.
Outra argumento muito usado é o do numero de eutanasiados na Bélgica e Holanda que tem crescido um pouco. Esquecem-se de dizer que a população idosa está a aumentar, que entre os idosos cada vez há mais casos de cancros e outras doenças terminais e que por isso, é normal que haja mais casos desses e, havê-los, não significa que se tenha entrado no laxismo da eutanásia.
Depois, assume-se que quem pede a eutanásia tem de estar em depressão, mas isso não é verdade. E nem sempre os médicos percebem a situação das pessoas. Já tive uma médica que entendia que eu, com as insónias e outros sintomas, tinha de estar em depressão e eu dizia-lhe que não, nem tinha nenhuma tendência para isso mas ela era completamente surda. Estava na 'sua' verdade e queria à força obrigar-me a ela. Os médicos sabem até certo ponto mas depois somos nós que decidimos da nossa vida.
A mim parece-me uma enorme crueldade obrigar pessoas ao sofrimento intolerável só para que os outros não tenham problemas de consciência com a sua morte. Parece-me também que os argumentos religiosos são uma violência para quem não é religioso, quer dizer, obrigar uma pessoa a viver pelos padrões das outras que acreditam em seres voadores, deuses castigadores e outras coisas que fazem parte do seu imaginário mas não têm que impôr aos outros como ideais de vida e de morte. Finalmente parece-me uma grande perversidade roubar a pessoa da liberdade de decidir sobre si mesma e a sua existência física. Quem não concorda que não participe.
De resto, é certo que devia-se melhorar os cuidados paliativos e que a lei deve ter cautelas, impedimentos condicionais e restrições. Tudo isso é discutível e aperfeiçoável. O resto não. Vejamos: uma pessoa tenta suicidar-se e corre mal. Fica viva. Deve o Estado prendê-la porque tentou acabar com a própria vida? Acho que ninguém defende tal coisa... Podemos não concordar, mas é uma opção que assenta na liberdade da pessoa adulta e consciente. A eutanásia não é diferente, sendo que é um caso em que a pessoa não está em condições de o fazer sozinha e pede ajuda.
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