Estou a ler um livro de Jan Masschelein e Maarten Simons, ambos professores da Universidade de Leuven, na Bélgica, chamado, In Defence of the School: a Public Issue. O livro tem uma centena e meia de páginas e pode descarregar-se todo em PDF aqui:
É o oposto dos discursos ignorantes, uns e, mal intencionados, outros, dos governantes que não têm respeito nenhum pelos alunos, desde que não sejam os seus filhos, e que estão aos poucos a destruir a escola pública. Infelizmente fazem-no com o apoio dos pais, que não percebendo nada de educação nem se apercebendo do engano que estas pseudo-pedagogias são, vão atrás da publicidade demagoga que é a que mais ilude porque agrada ao ego.
Os autores defendem que a escola, no sentido grego do termo (scholè), significa, tempo livre, discussão, classe; que a escola proporciona um espaço onde é dado aos alunos tempo livre - livre de encargos, de produtividade (de terem que trabalhar para se sustentarem como dantes acontecia), para estudar assuntos, discutir, integrados numa classe, sem classe social. Quer dizer que na escola os alunos são integrados em classes, que chamamos turmas, independentemente da sua origem, classe social, riqueza, raça, credo, etc. Essa circunstância suspende a ordem natural de desigualdade e dá a todos, igualmente, um tempo e um espaço de liberdade democrática a partir do qual podem mudar o seu estatuto e também a própria sociedade.
Essa liberdade sempre foi motivo de ódio, temor (pela possibilidade de reverter a ordem social) e, por isso mesmo, impulso, da parte dos governantes, de domesticar a escola para que reproduza a ordem natural social, sem sobressaltos, digo eu.
O tempo livre das escolas e a liberdade pedagógica são vistos como um perigo à ordem natural social e daí as tácticas de domesticação:
- dos alunos que são hoje pensados, não como pessoas em si, capazes de ultrapassar as suas condições sociais naturais, mas como objectos de intervenção do Estado por intermédio das escolas.
Daí a ordem de passar todos, de preferência sem a emancipação pelo saber, para depois ocuparem os 'seus' lugares na camada da sociedade que lhes corresponde. Daí a obrigatoriedade de terem todo o tempo ocupado com tarefas não livres. Daí as equipas multidisciplinares de apoio, uma espécie de big brother que persegue, observa e transforma todo o desvio social em problema de inclusão, leia-se, não-domesticação. Daí a indiferença pelo problema do respeito e da indisciplina pois a disciplina é um pressuposto da atenção que, por sua vez, é o pressuposto da possibilidade do interesse objectivo, do estudo e da emancipação pelo saber. Daí a redução dos currículos a técnicas que não incentivam o pensar. Daí a importância desmesurada dada à motivação em vez da atenção porque a motivação mantém o aluno fechado na sua subjectividade emocional hedonista e não o deixa ultrapassar-se e ultrapassar a sua ordem social natural. Daí a redução do ensino ao português e à matemática, para que se reduza ao essencial e não alargue horizontes. Daí a valorização das diferenças entre os alunos, com pedagogias adaptadas às desigualdades que os mantêm presos nas suas pseudo-insuficiências, sem critério de aferição comum quando podiam libertar-se, superar-se pela procura de igualdade - os alunos de certos contextos sócios-económicos, diz-se, não têm interesse nem motivação por certos assunto e por isso devemos dar-lhes aquilo que querem e gostam.... por enquanto ainda existem os exames mas até isso há-de acabar ou transformar-se num exame individual. E outras falsas pedagogias que se destinam a domesticar os alunos e a prendê-los à sua condição social natural.
- dos professores, com currículos cada vez mais vigiados e pobres, trabalhos cada vez mais contabilizados em papelada, reuniões e relatórios, para que nenhuma liberdade pedagógica que ajude efectivamente os alunos, fora da domesticação prevista seja possível; formações de endoutrinação de inclusão; obrigação de passar os alunos mesmo que não tenham ido às aulas; de os tratar, não como pessoas capazes de evoluir mas como pessoas incapazes de esforço, de responsabilidade e evolução; com centenas de alunos em turmas cheias para que desistam de lutar contra a corrente; desvalorizados profissionalmente para que baixem a credibilidade da escola pública e, assim, possam mais facilmente ser domesticáveis.
- dos pais, tratados como pessoas incapazes de civilidade, de respeito para com os professores. Incentivados à inimizade com os professores, justamente para serem cúmplices da destruição das possibilidades dos próprios filhos. Quanto mais se aumentam as expectativas dos pais com ilusões baseadas em facilidades, em a escola ser, não um local de possibilidades mas de terapia hedonista dos filhos, de entretenimento dos seus príncipes, mais os seus filhos ficarão presos aos limites do contexto social natural.
Os autores abordam e desfazem muitas das falsas críticas que se fazem às escolas, desde estarem desligadas do mundo real até não darem aos alunos o que eles querem. A escola funcional... aquilo a que chamo a ditadura do Darwin em transformar tudo em objectos, instrumentos funcionais, retirando-lhes valor per si.
Enfim, ainda não li o livro todo, vou quase a meio, mas vale muito a pena ler.
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