Passei grande parte da minha vida a observar os arvoredos do Minho
Estou convencido de que o mundo - ou seja, a baía de Moledo, a foz do Minho, o monte de Santa Tecla, o forte da Ínsua e os pinhais em redor - desaparecem na próxima semana. E, com estes elementos, tudo o que os cerca e onde me dizem que existe o resto do planeta, uma massa disforme de matéria pegajosa e em desagregação. Podia escrever isto depois de assistir, com uma fingida e hipócrita perplexidade, ao primeiro quarto de hora do telejornal de ontem – mas hábitos quase seculares, aliados à preguiça que parece ser uma arma de defesa dos Homem de várias gerações, impedem-me de escrever à noite, aquele período reservado à contemplação das horas que foram, do dia que desaparece, dos ruídos que se despedem.
Assim, tive de esperar que Dona Elaine, a governanta deste eremitério de Moledo, recolhesse a segunda chávena do café de cevada matinal – que acompanha, há décadas, o par de torradas de pão de mistura –, para me lamentar acerca do desconcerto do mundo e das ameaças que, de um mês para o outro, tomaram conta da espécie humana. Nem uma coisa nem outra me incomodam grandemente, como já em tempos esclareci os meus benevolentes leitores – e voltar a um assunto não significa que estejamos a repeti-lo, mas apenas a insistir numa obsessão guardada com cuidado.
Passei grande parte da minha vida a observar os arvoredos do Minho e a não ocupar demasiado espaço na vida dos meus semelhantes. Sei distinguir a cor das folhas dos carvalhos brancos das cada vez mais raras ramagens das faias e bétulas que descem para os prados que delimitam o caudal do rio Minho, esse curso de água que fica bem nos tercetos derradeiros dos sonetos mais melancólicos. Por hábito e razoabilidade fui um homem poupado que desprezou o desperdício e aquilo que a minha sobrinha Maria Luísa, a eleitora esquerdista da família, designa por "consumismo". Não viajei muito de avião nem sequer de carro. Gastei mais solas de botas do que o juízo dos meus semelhantes. E, como uma quinquilharia conservadora guardada no baú do Alto Minho, entre florações de mimosas e o Outono do pico das montanhas, aguardo que o mundo se conserve igualmente em condições.
Não me vejo a repetir as palavras do Tio Henrique, que, à sua maneira, era um ecologista dos Arcos de Valdevez – e que desejava que regressássemos ao que o mundo era há cinquenta ou sessenta anos antes da sua idade madura. Hoje, ninguém se contenta com a noite que desce sobre os pinhais nem com a mediocridade dos povoados que apagam as luzes às onze da noite. Uma coisa não vem sem outra. A luz das estrelas sobre a copa dos pinheiros de Moledo é uma lembrança que guardo até ao último dos meus dias.
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