November 23, 2019

Melancolia




O que gosto neste auto-retrato de Lucas Cranach, o Velho? Não é o primeiro auto-retrato da História -esse é de Dürer- mas é um dos primeiros e é notável. Cranach pintou-se humano. Não em uma pose de retrato ou de lisonja mas numa circunstância emocional humana. Conseguimos ver e sentir o seu estado de espírito pensativo e preocupado. Conseguimos sentir a sua vulnerabilidade como pessoa. No fundo escuro, o que sobressai é a luz que emana do seu rosto.






Cranach assinava muitas obras com esse símbolo dramático que se vê em baixo, elaborado com uma serpente e um anel, que veio depois a fazer parte do Brasão da família e ninguém sabe, ao certo, o que significa mas, tenho a certeza que faz inveja a qualquer fã da saga, Game of Thrones :)










Cranach, um renascentista alemão, foi, durante muito tempo, o pintor oficial da corte da Saxónia e ditou-lhe o gosto estético.

Durante muitos anos teve uma obsessão por pintar mulheres com cabeças de homem cortadas... Em geral os pintores têm mais obsessão por pintar mulheres nuas... ele também tinha mas, durante uma década fartou-se de pintar mulheres jovens a pegar em cabeças de homem cortadas... qualquer coisa do Eros e Thanatos...


Melancolia é uma obra dele cheia de significado. Nela Cranach pintou a condição humana como de desesperança. Vemos, à direita, um anjo com ar melancólico a observar três crianças que brincam com uma bola, alheios aos dramas do mundo para além da janela. Atrás vê-se uma paisagem com florestas e castelos onde exércitos se guerreiam. No chão, cavaleiros e cavalos mortos. Indiferentes aos infortúnios humanos, os deuses, nas nuvens, divertem-se em caçadas.
Faz pensar que nada muda sob o sol. Mata-se de maneira diferente e agora os deuses têm copos de whisky nas mãos. Heraclito já o sabia, Lucas Cranach, o Velho, sabia-o e acho que todos o sabemos.
Spinoza, que era um determinista diferente, penso que defendia que não temos o livre arbítrio mas que talvez o pudéssemos vir a ter... quer dizer, libertarmo-nos dos determinismos da matéria. Um determinista optimista? Enfim, quando olhamos para esta tela percebemos muito bem a melancolia.


Melancholy (1532, Lucas Cranach, the Elder: Oil on panel. 51 x 97 cm. Copenhaguen, Statens Museum for Kunst)

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