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September 27, 2022

vergílio ferreira / a memória

  

 
172 – A memória. Ela é quase sempre uma recuperação de imagens imóveis. Porque relembrar o movimento exige um esforço de deliberação. E a memória simplesmente aparece. Mas são imagens que se marcam ou douram de um envolvimento que as transfigura. Um halo, uma ténue neblina. E tudo isso inserido numa certa estação do ano, num certo momento do dia ou da noite. São imagens que se repetem na evocação de certos lugares como se os condensassem e nelas se resumisse ou aglomerasse a vida toda aí vivida. Uma hora de neve, de um gelo na face ao caminhar por uma rua com os beirais das casas pingando a água do degelo. Uma certa hora de Outono com esguios castanheiros a desfolharem-se. Uma certa noite de Varão com uma grande lua a nascer. Um passeio pelo campo com flores silvestres que talvez ninguém mais veja. Memória de uma vida tão cheia do seu nada nesse breve instante que a resume toda. O melhor de si. Esse nada de si.


vergílio ferreira
escrever
edição de helder godinho
bertrand editora
2001

via canaldepoesia

August 18, 2021

Inventar a alegria

 



 Inventar a alegria. Ou estar atento à sua revelação. Mas é preciso merecê-la e não estarmos tão sujos. Esquecer um pouco talvez o ódio a fome a morte. Guerras de carnificina odienta, imensa fome dos sub-humanos da humanidade. Inventar a alegria por sobre tudo isso ou estar limpo de todas as fezes da alma para que ela apareça. Porque há pássaros ainda a explica-la e há a luz. E há o que simplesmente existe e é miraculoso no seu ser. Que a paz te inunde e te lave e tu ressurjas na pureza de um mundo que vai começar…

    — Vergílio Ferreira / 2001