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December 04, 2023

Quem também morreu neste dia foi Sá Carneiro

 


Num acidente que talvez tenha sido um assassinato. É difícil acreditar na teoria do acidente. Das dez comissões parlamentares sobre Camarate, realizadas entre 1982 e 2011, oito foram peremptórias em apontar claramente que se tratou de um atentado.

Amaro da Costa que também ia no Cessna, tinha decidido proibir, na qualidade de ministro, a venda de armas a vários países, o que mexeu com interesses económicos de muitas pessoas.

“Adelino Amaro da Costa estava particularmente atento às operações de venda de armamento que envolviam o Estado português, tendo vetado várias operações (vendas à Indonésia, à Guatemala e à Argentina) e tendo pedido, a 2 de dezembro de 1980, esclarecimentos adicionais acerca da venda de armas ao Irão”, sublinha o referido relatório parlamentar.

Sá Carneiro terá sido apanhado involuntariamente num crime bombista que “tinha como alvo Amaro da Costa, que estava a investigar os destinos dos dinheiros do Fundo de Defesa do Ultramar”[?] A certeza absoluta, essa, será apenas conhecida no dia em que “os autores tiverem um rebate de consciência e admitirem tudo” ou quando “forem abertos os arquivos dos serviços secretos americanos”. magazine

Enfim, não sabemos ao certo... uns tempos antes, em Londres, Sá Carneiro foi vítima de uma tentativa de atropelamento com fuga que o obrigou a andar com uma coleira durante muito tempo. Uma coisa muito estranha e nunca explicada...

Sá Carneiro era um político muito diferente de todos os políticos que tivemos no pós-25 de Abril. Era um indivíduo culto que reunia a capacidade de pensar, de projectar, de construir projectos políticos e de os executar. Tinha o lado teórico e o prático. Era uma pessoa íntegra e um democrata sério e empenhado. Nunca, nem antes dele nem depois tivemos um primeiro-ministro assim. Foi uma grande promessa de modernizar o país que se perdeu de repente e prematuramente. Também Amaro da Costa era um político diferente. De uma cordialidade e amabilidade parlamentares inigualáveis (toda a gente, à direita e à esquerda, gostava dele), aliada a muita coragem.

A esquerda mais à esquerda odiava-o porque ele era o princípio do fim das suas veleidades de domínio comunizante. O povo votou nele em massa, com entusiasmo e não como um mal menor ou uma alternativa estratégica. Sá Carneiro, sendo do PSD, não era um homem de direita como hoje se entende o termo. Ele vinha de um trabalho de oposição, na AR, ao marcelismo. A direita de hoje não tem que ver com o projecto dele.

Sá Carneiro afirma a necessidade do PSD se impor perante a detenção do poder por parte de poucos, daqueles que possuem o “grande capital” e dos membros da “tecno-estrutura”, isto é, uma classe burocrática que regula, de forma implícita, as estruturas económicas e sociais do país. Perante isto, a ameaça da existência de uma minoria que se procura destacar através de dogmas ideológicos levou a que o PSD se organizasse com o sentido de construir uma verdadeira democracia. É esta a voz de Francisco Sá Carneiro, que assume a rejeição do neoliberalismo, achando-o incapaz de resolver as vicissitudes da sociedade portuguesa, nomeadamente de resolver as questões do emprego, da inflação, do desemprego e da própria insegurança da população. No entanto, também assume que não basta assumir a redistribuição da riqueza existente e de uma política fiscal rigorosa. Defende uma reforma ainda mais profunda, capaz de reorganizar as relações de poder do país, silenciando a busca desenfreada do lucro em prol de algo mais capaz de dinamizar a sociedade como um todo, unido a economia aos direitos inalienáveis dos cidadãos e à sua própria de expressão cultural e educacional. Como tal, era a favor da Reforma Agrária, que possibilitasse a mais-valia dos trabalhadores, mas também da privatização de grande parte da indústria, que estava concentrada no Estado. https://comunidadeculturaearte.com/a-visao-social-democrata-de-francisco-sa-carneiro-para-portugal/
 
Discurso na Assembleia da República, em 1978.
Portugal necessita de um projecto mobilizador. É tempo de que este país encontre um rumo definido de recuperação e de desenvolvimento. Somos um país pobre em recursos materiais, mas mesmo os poucos que temos estamos a desperdiçá-los. Somos ricos em recursos humanos que se encontram abandonados. Só com uma política que em matéria de recursos nacionais privilegie a agricultura e as pessoas, que aproveite todas as potencialidades dos serviços e da indústria, conjugada com uma política de investigação científica e tecnológica, com uma política cultural, com uma política de educação, poderemos sair da situação dramática em que nos encontramos.

Sá Carneiro foi uma espécie de estrela que brilhou muito rápida e intensamente e explodiu, literalmente. Cedo demais. Como seria o Portugal se ele tivesse governado o país mais que os 11 meses que teve antes de morrer? É impossível saber mas estaríamos hoje num lugar diferente porque ele tinha um projecto e um rumo para o país, tinha a vontade e tinha o povo com ele.

Lembro-me muito bem desse dia de 1980. O choque da morte abrupta deles e como tudo foi, politicamente, por água abaixo, de repente. Governo, presidência... voltámos, num ápice, às esmola do FMI.