... is the impossibility of reason (Oliver Stone)
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Jung construiu uma teoria acerca de tipos de personalidade (hoje-em-dia diz-se mais 'identidade') a partir de uma teoria de Aristóteles.
Segundo Jung, nascemos com traços que se traduzem em modos preferenciais de abordar o mundo (interno e externo) e resolver os seus problemas. Ele distingue duas atitudes principais, traços que formam a personalidade, que são dois modos diferentes de reagir às situações: extroversão e introversão. Apesar de ninguém viver apenas com os traços de uma destas atitudes, quer dizer, todos temos comportamentos de extroversão e de introversão, o que ele defende é que cada um tende mais para uma ou outra forma de responder às situações.
A atitude extrovertida caracteriza-se por um fluxo externo de energia pessoal - um interesse em eventos, em pessoas e coisas e uma dependência deles. O extrovertido geralmente é sociável e confiante em ambientes estranhos. A sua fraqueza, por assim dizer, é dependerem muito de causarem boa impressão, terem relações superficiais, acharem a reflexão uma coisa um bocado mórbida e terem grande necessidade de estímulos externos.
A atitude introvertida caracteriza-se por um fluxo interno de energia pessoal. O introvertido tem uma imaginação rica, precisa de tempo sozinho pois o excesso de estímulos externos deixa-o esgotado, gosta de relações profundas. A sua fraqueza, por assim dizer, é tenderem a ser pouco sociáveis, tímidos e hesitantes e preferirem a reflexão à acção.
Cada um destes grupos julga mal o outro, tendem a ver os aspectos do outro como negativos: o introvertido é visto como egoísta, obtuso, arrogante e egocêntrico; o extrovertido é visto como superficial, inconstante e insincero.
Cada um destes tipos, na luta pela existência, usa as suas funções mais desenvolvidas, entre, pensamento, emoção, sensação e intuição. Portanto, pode ser-se um extrovertido intuitivo ou um introvertido intuitivo, por exemplo.
A partir desta teoria de Jung as psicólogas Briggs e Meyers desenvolveram um teste para enquadrar as pessoas nos seus tipos, consoante as características e estratégias que marcam a sua abordagem aos problemas internos e externos da sua existência. Kersey, outro psicólogo, aperfeiçoou este teste. Este teste é muito usado nas empresas e em algumas grandes universidades para desenhar o perfil das pessoas e perceber melhor os seus pontos fortes e fracos.
Se bem que não se possa levar estes testes completamente à letra, eles são um bom indicador, nomeadamente para quem não se conhece bem, perceber os seus pontos mais fracos e mais fortes.
Eu acredito muito nesta teoria de Jung com algumas variantes, porque ele não levava em conta que a nossa experiência de vida nos vai modificando, mais ou menos mas, sempre de algum modo, os traços, mesmo que sendo inatos. Da mesma maneira que uma pessoa com propensão genética ou epigenética, melhor dizendo, para a depressão ou para a obesidade, pode não vir a desenvolvê-la se for criada num contexto de alimentação e vida activa saudáveis que contrariem eficazmente essa pré-disposição inata. Igualmente, os tipos de personalidade ou identidade, mesmo sendo mecanismos inatos, sofrem a influência do mundo externo que podem amenizá-los, nas suas características ou vincá-los ainda mais.
Penso que existem pessoas nos extremos que encaixam perfeitamente num determinado tipo, quer dizer, têm as características desse tipo muito vincadas - esses serão uma minoria, porque os extremos são sempre uma minoria; depois existem pessoas que, embora encaixem num determinado tipo, vão variando os seus pontos fortes e fracos e existem até aquelas que mudam de tipo. Isto vê-se pela respostas ao teste onde se classificam as pessoas. Esses testes fazem umas dezenas de perguntas, cada uma correspondendo a um modo funcional característico de um traço com o seu respectivo par (introversão-extroversão; intuitivo-sensitivo, etc.) e no fim os resultados medem quantas respostas a pessoa deu a favor de cada um dos traços. Por exemplo, se havia 15 perguntas para medir se a pessoa é mais intuitiva que sensitiva, pode acontecer a pessoa ter respondido as 15 como intuitiva, ou em 7 respondeu como intuitiva e nas outras 8 como sensitiva ou pode ter dados todas no outro extremos de sensitiva.
Pessoas que respondem de modo equilibrado, o que significa que face aos problemas do mundo umas vezes resolvem-nos com recurso a certos traços e outras vezes a outros de modo mais ou menos equilibrados, serão pessoas mais adaptáveis a contextos variados. Pessoas com traços muito vincados de um dos tipos (são 16 que se derivam de 4 principais) são mais difíceis mas têm outras vantagens.
Na realidade nenhum tipo de personalidade ou identidade é melhor ou pior que outro: são diferentes e é importante uma pessoa conhecer-se e saber como é que o seu corpo psicológico tem tendência a reagir em certas situações para poder melhorá-las ou reforçar umas e evitar outras, por exemplo.
Quem faz este teste várias vezes ao longo da vida vê se se vai modificando nos traços. Já fiz este teste muitas vezes e dá-me sempre o mesmo resultado e em 3 dos 4 pares que são testados as respostas vão todas, praticamente, para um dos lados do par, de modo que sou uma daquelas pessoas que têm os traços de identidade muito marcados e olhando para trás no tempo, percebo que o contexto foi quase sempre de modo a vincá-los.
Mais ainda, topo logo quase à primeira os alunos que têm o mesmo tipo de identidade ou aqueles que não têm exactamente as mesmos 4 traços, mas têm os dois principais. Entendo-me tão bem com esses alunos logo desde as primeiras aulas (eles entendem muito bem a minha maneira de funcionar) que fico amiga deles todos. Alguns desde o 3º ano em que dei aulas, nem eu ainda não sabia nada desta teoria, mas já via que havia, muito de vez em quando, alunos com quem era extremamente fácil de funcionar. É claro que ao fim destes anos todos já sei funcionar com os outros, mas fiz um grande esforço consciente para desenvolver estratégias de funcionar bem com pessoas que estão nos antípodas da minha maneira de ser: não reflectem em nada, são anti-filosóficos, não ligam um átomo aos princípios que enformam os factos e andam sempre na superfície dos problemas.
Isto tudo vem a propósito daquela frase de Oliver Stone: o inferno, para mim, é mesmo a impossibilidade da razão poder funcionar, seja por ausência de informação, seja por informação superficial, seja por excesso de estímulos contraditórios que impedem o funcionamento da razão e a possibilidade de encontrar respostas ou resolver problemas. É paralisante ou enlouquecedor.