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May 18, 2023

Porque é que a educação escolar se tornou uma impossibilidade lógica de satisfazer

 


 A arte é insípida e sem imaginação porque nos colocámos na lamentável posição de obter exactamente o que queremos. 

Já não vejo muito esse tipo de aspiração [cultural] (já estava a desaparecer quando cheguei ao campus no início dos anos 80), essa sensação de incompletude urgente, essa fome de um outro superior. O que vejo é narcisismo: uma exigência de que a arte nos afirme, nunca nos ameace, nunca nos faça sentir inadequados, ignorantes ou pequenos, que nos faça ecoar os nossos pequenos e preciosos eus.

William Deresiewicz

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Estas duas frases e, em grande parte, o texto do post de ontem deste autor, aplica-se perfeitamente à educação escolar como a temos hoje: desinteressante, normalizada, educadinha (mas sem educação), 'acordada' e inconsequente.

Vê-se nos currículos, na desvalorização das Humanidades que escapam aos protocolos de vigilância cientifica, nas políticas educativas: professores normalizados, testes e exames de escolha múltipla (nada de expor um pensamento, discorrer uma ideia com a sua base de sustentação), nada de alunos divergentes e de professores originais.

A educação escolar tornou-se uma impossibilidade lógica de satisfazer - a educação normalizadora com professores acapachados não se coaduna com a educação inspirada e inspiradora, interessante, desafiante que os produtores de papéis pedagógicos reclamam, logo na página a seguir aos esquemas de como o professor deve 'abordar' cada tema, com que materiais, fórmulas, etc. e das grelhas onde regista tudo o que faz e pensa para que o ME possa corrigir o pensamento de todos usando a Verdade que imagina ter.

Estou a uma aula de ter de acabar o programa e resolvi seguir mais ou menos o manual por economia de tempo. O capítulo acerca da epistemologia de Kuhn começa com a afirmação de que a perspectiva dele sobre a ciência é chamada 'historicista'. O indivíduo deve dar três voltas no caixão de cada vez que ouve estas coisas. 
Cada vez mais os manuais e os gurus que rearranjam  e desorganizam os programas para agradar a este ministro, defensor da educação mínima aos pobrezinhos, substituem o pensamento dos filósofos por fórmulas (da sua autoria ou copiadas de outros gurus) para os alunos substituírem o pensamento pela memorização de fórmulas, cada uma com o seu conjunto de argumentos também memorizáveis. Deus nos livre que os alunos leiam os filósofos em vez das fórmulas e que os professores os interessem pelo pensamento e pelo questionamento da realidade.
A seguir às fórmulas, os manuais têm páginas com sínteses da matéria (para que os alunos não tenham que se maçar a pensar); depois vêm as páginas com os esquemas conceptuais nas suas redes de caixinhas (para que os alunos não tenham que se maçar com a arquitectura do seu próprio pensamento) e ainda páginas com fichas formativas (para que o professor não tenha que se maçar a fazê-las e para que todos os professores as façam iguais e sejam assim controláveis). 
No fim os alunos que forem a exame têm provas de escolha múltipla com uma ou duas questões para despejarem as fórmulas (a perspectiva de Kuhn é historicista, a de Popper falcificacionista, etc.) e uma questão para dizerem a sua opinião sobre quem tem mais razão: se Popper ou Kuhn ou, se Hume ou Descartes, etc.

Quando aparecem pessoas como o diretor de serviços de Projetos Educativos da Direção-Geral da Educação, José Carlos Sousa a dizer que há muita desinformação e é preciso "dotar os alunos de espírito crítico", muita coisa fica, repentinamente esclarecida: os dirigentes nem compreendem as palavras que usam, pois 'dotar' significa dar dotes, prendar. Os arquitectos desta educaçãozinha pensam que o espírito crítico é algo que os professores podem 'dar' aos alunos, uma prenda.

E é assim que temos uma educação que espelha os dirigentes que a impuseram: insipiente, insignificante, normalizada, fofinha para não ofender os sentimentos dos alunos ou causar-lhes frustrações e inconsequente para que todos possam sair da escola com os resultados negativos escondidos por um certificado de sucesso que o ministro usa como medalha. Uma impostura, como o próprio, que aparece sempre com um sorriso cheio de uma cortesia que todos sabemos ser uma performance que não corresponde ao seu carácter autoritário e vingativo, a dizer que respeita os professores enquanto nos persegue e prejudica de todas as maneiras.